Quem leu os três primeiros textos desta minha aventura em Berlim pode até achar que me sentia triste ou desmotivada, porque as coisas não estavam a correr como eu queria ou imaginava que iriam correr. Mas não. Estava profundamente feliz. E essa felicidade conquistei-a com a minha experiência nas cinco maratonas que já tinha corrido. Independentemente de sentir que não é o meu dia para bater recordes, ou de sentir alguma dor, o que realmente importa é simples: estava em Berlim, pronta para correr uma das maratonas mais importantes do Mundo. O universo quis que eu estivesse ali, e para mim tudo isto tem um sentido. “Desfruta, Isabel”, foi o que senti.
Foi por isso que durante os 42,195 km, vivi cada passada, escutei os aplausos, vibrei com a música, sorri para o público, interiorizei as frases de incentivo e deixei o sol bater-me na cara. É só isso, minha gente! E ainda por cima sabia que tinha a minha mãe a “olhar por mim”.
Ao contrário de todas as outras provas, o meu desafio foi manter o foco. Se repararem bem, em todas as fotografias da maratona eu estive sempre “a mandar o sorriso”. Motiva-me saber que está um fotógrafo à espera da melhor postura para sacar a bela da fotografia.
A verdade é que corri vibrante, mas distraída. Cada um tem os seus objetivos e certamente que uns correm para bater recordes, outros correm simplesmente para levar a medalha para casa. No meu caso, sinto que estou no meio destes dois grupos: corro para conquistar medalhas, para me superar, mas também gosto de ultrapassar os meus limites. Trouxe a medalha para casa e superei-me. Cumpri o objetivo. Mas não melhorei o meu tempo. Tudo bem, “não era o dia”.
A corrida começou bem. Até à Meia Maratona sentia-me forte, embora com algum receio, porque achei que poderia estar a ir demasiado rápido. Ao longo de três quilómetros, antes das meia maratona, corri a uma média de 4’15’’. Muito arriscado, eu sei. Mas quis correr esse risco. Foi exatamente aqui, a meio da prova, que eu vi a minha mãe, a Gabriela e uma amiga minha, a Marta Candeias, a vibrarem e a gritarem por mim, com uma bandeira de Portugal tão grande que era impossível alguém ficar indiferente.
Foi um momento tão bonito. Vou guardar para sempre no meu coração. Ganhei uma força imensa.
Tudo aconteceu em segundos. Passei pela mãe, sorri, dei-lhe um “give me 5” e continuei a correr. Durante um quilómetro, chorei. Estava tão feliz que tinha de libertar aquela energia para algum lado. Chorar faz-me bem. Alivia-me. E foi graças a esses momento que soltei toda a emoção da prova e me comecei a focar. Eu sabia, porque me bateu isso na consciência, que embora estivesse bem iria quebrar mais cedo do que devia. Estava em ligeiro esforço quando devia estar bem. Mas na altura só pensei: “Termina bem, Isabel. Tens à tua mãe na meta à tua espera”.
E assim foi. Baixei para 4’40’’ min/km e segui. Estava calor, não foi nada fácil. O pior de tudo foram mesmo os abastecimentos; raramente conseguia apanhar um copo de água em movimento. Em todos os abastecimento, principalmente a partir do quilometro 25, tinha de abrandar, ao ponto de parar para beber água. Esta quebra de ritmo prejudicou a minha performance. Parar e voltar a 4’40’’ parecia uma missão quase impossível. Mas segui. Sem pensar no fim. Meditei. Foquei-me no presente. Este exercício que eu faço sempre que corro dá-me equilíbrio e força para os meus dias. É quase uma formula, um elixir mágico que descobri para controlar a minha ansiedade. A verdade é que pratico muito esta postura ao longo do meu dia (mesmo quando não corro) e resulta. Relaxa. Calma. Tu vais conseguir. Só tens de continuar assim.
Vi o Rui Catalão à minha frente ao quilómetro 40. Fiquei tão feliz de o ver ali tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. Queria muito ir para a beira dele, mas isso implicava aumentar a velocidade e, naquela fase, era para esquecer. Não estava capaz para fazer um split negativo. Mas logo ali criei um objetivo: não o perder de vista! Passei a Porta de Brandemburgo com uma adrenalina! Ai não!
Até à meta eram só mais 300 metros. Que pareciam 300 quilómetros. Mas continuei no foco até chegar à beira da minha medalha. Vi logo de seguida o Rui. Gritei por ele. Abracei-o e chorei muito. Lembro-me de lhe dizer: “Estou tão empenada. Vamos buscar a medalha e tirar a nossa chapa”. Aqui está ela.
Esta bandeira foi a Gabriela que me deu. Guardei no bolso do meu calção para cortar a meta com ela levantada. E sabem o que aconteceu? Esqueci-me!! Esqueci-me de correr com ela nos últimos 300 metros, como fiz na Maratona de Sevilha (podem ver a foto aqui). Percebem quando digo que ando distraída?
Uma medalha muito especial. Por tudo o que contei aqui mas também porque foi neste dia que o incríBel Eliud Kipchoge bateu o recorde do mundo da Maratona. O maior maratonista da atualidade correu 42,195 km em 2h01’40”. Caraças! Isto é outro Campeonato!!
Todas as Maratonas pedem um balanço. E esse eu não o faço logo a seguir à prova. Nem mesmo no dia seguinte. Vou fazendo ao longo dos dias e das semanas. E ainda bem que só hoje termino de escrever este artigo. Deu-me tempo para refletir e pensar em tudo o que correu bem, menos bem, o que quero repetir e o que vou evitar. Treinar bem, sim. Respeitar mais as fases de descanso, sim. Privilegiar cada vez mais as horas de sono, sim. Gerir melhor a minha ansiedade e stress, sim. Manter-me focada, feliz e vibrante, sempre.
Hoje sou uma maratonista mais experiente. Tiro grandes lições destas aventuras — durante a preparação e no próprio dia da prova — e são essas lições que tenho em conta e me fazem encarar as próximas de um jeito cada vez mais pleno.
Quando me perguntam: “Queres continuar a correr Maratonas?”, eu respondo: “Para o resto da minha vida”
Ok. Estou no caminho certo. Em 2019 há mais. Agora quero correr, mas com muitas sopas e descanso.
Podem ver o dia 3, o dia 2 e o dia 1: assim, ficam a par de toda a experiência!