Maratona: fui contra o muro, mas levantei-me

Maratona: fui contra o muro, mas levantei-me

Correr uma maratona é díficil e por vezes aparece-nos um "muro". Hoje conto-vos como é que consegui levantar-me quando embati nele.
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31.07.2018

Correr uma maratona… Já corri cinco maratonas (Porto, duas vezes, Sevilha, Roma e Boston) e todas elas foram especiais, em todas senti coisas únicas e passei por sensações diferentes. A experiência torna-nos mais sábios a correr e isso sente-se não só nas provas mas também em toda a preparação, nos muitos treinos que vamos fazendo, sobretudo os mais longos. É muito interessante, motivador e fascinante ir percebendo a nossa evolução e o conhecimento que vamos ganhando do nosso corpo. Muita gente falha nestas provas precisamente por não conseguir aprender os sinais que o corpo nos vai dando, outros estão constantemente nessa fase de auto-conhecimento, que é o meu caso. Cada vez mais, escuto as sensações do meu corpo, antes e depois dos treinos, sejam longos, curtos, de séries ou mais intensos, e é a partir desses sinais que decido o que devo fazer: descansar, alimentar-me desta ou daquela maneira, apostar num suplemento ou fazer uma massagem, por exemplo.

Isto para vos falar de uma sensação mítica de que todos os maratonistas falam, o famoso “Muro”. Quem é que nunca ouviu um maratonista dizer a alguém que quer correr a distância: “Chegas ali ao km 30 e vais ver o que é bater no muro”.

Logo desde a primeira vez que ouvi esta expressão, e que me explicaram o que significava, que ganhei respeito pelos maratonistas. Na verdade, este “muro” é nada mais nada menos do que começar a sentir-se, quase de um momento para o outro, que a gasolina acabou, é ficar-se sem reservas, sem forças para mais, sem energia. As consequências imediatas são o começar-se a sentir as pernas pesadíssimas, a tremer, cãimbras, e a velocidade cai para um ritmo bastante mais lento. Já assisti a isto várias vezes. Lembro-me, por exemplo, de na Maratona de Roma, ali no km 33, começar a ver pessoas a parar, outras com cãimbras, cheguei até a ver uma ambulância a prestar auxílio a uma corredora. É muito triste. Mas isso faz-me ter muito respeito por provas longas. Quem anda à chuva, molha-se, sobretudo se não souber que vai chover. É por isso que é tão importante saber-se que o muro existe, o que ele representa e o que se deve fazer para que ele nunca se faça sentir. E o que é que eu acho mesmo muito importante saber-se quando se vai correr uma maratona, e se quer acabar bem? Essencialmente duas coisas.

1.  Foco. Se querem muito correr uma MARATONA, então foquem-se. Têm de estar motivados e com vontade de desfrutar esta experiência. É lindo cortar a meta de uma maratona. É lindo demais chorar de alegria e sentir a  adrenalina a correr-nos pelo corpo depois de uma prova. E se os maratonistas choram quando cortam a meta é porque se sentem super-heróis. É porque sabem o quanto lhes custou chegarem até ali. Não é fácil treinar para uma maratona. Ou se quer muito, ou então algo vai correr mal. Tem de ser uma das prioridades da vida naqueles meses, e por opção.

2.  Treinar com qualidade. Muito mais do que treinar vezes sem conta e sem grande critério, é fundamental fazer treinos de qualidade. Preparar uma maratona não é só calçar umas sapatilhas e dizer-se “vou ali correr”. Nada disso, malta. Há treinos específicos de corrida para nos motivarem e ajudarem a sermos melhores corredores, corredores mais eficientes e completos. Em breve, vou partilhar aqui no blog os vários tipos de treino que faço, e que efeitos cada um deles tem no meu corpo.

Se tiverem isto em mente, é muito menos provável que encontrem o tal “muro”. Eu já fui contra ele três vezes, mas felizmente de forma ligeira. E posso relatar o que se passou.

Maratona do Porto (2015)

Foi a minha primeira maratona, e neste dia tudo foi uma descoberta. Apesar de me ter preparado bem, não deixou de ser a minha estreia nos 42,195 km. Fui com cautela, mas senti o muro de forma ligeira ao km 33. De repente, o meu ritmo passou do 4’50’’ para os 5’20’’. Apesar de ter tomado gel, e de me ter hidratado, comecei a sentir-me fraca e com uma vontade enorme de parar. Não tinha dor de burro, senti apenas algumas cãimbras e as pernas pesadas… nada sensualonas. Foi terrível. Nem conseguia sorrir. Mas fui continuando. Quando assim é, se vemos que é possível, então é continuar, abrandar o ritmo mas deixar-nos andar com o que resta das nossas forças. O que me valeu? Uma grupeta de quatro homens ali no início da avenida da Foz. Mesmo a um ritmo lento, passei por eles. E quando os ultrapassei um deles disse: “Olha ali aquela miúda a passar por nós… olha, olha!”. Minha gente, aquilo foi dito de uma forma depreciativa, entendem? Enervei-me de tal forma (e ainda bem, Meu Deus!), que olhei para trás e disse (alto e em bom som, que eu quando me enervo ganho forças para falar ALTO): “Olha… ou bem que metes a próxima mudança ou então nunca mais me apanhas, amigo!…”. Acabei de dizer isto e arranquei logo na bolina! E lá terminei o último km a um ritmo de 4’20’’.

Maratona de Boston (2018)

 

Tau! Levei com o muro logo ali ao km 27. E por razões diferentes das da Maratona do Porto. Comi bem e estava preparada para a distância, não estava era preparada para o pior temporal dos últimos 30 anos na Maratona de Boston. A chuva intensa, os pingos grossos, as rajadas de vento na ordem dos 45km/h e a sensação térmica de 4 graus negativos fizeram-me gastar mais energia do que previa. Resultado: o tanque esgotou cedinho. Cheguei a tomar cinco géis (estão a ver a vantagem de levar um suplente ?) mas nem isso me fez fintar o muro. F     iz-lhe frente e consegui terminar a prova, mas em grande sofrimento. Foi triste sofrer tanto, mas a medalha foi MINHA! Espreita o artigo dessa aventura.

 

Treino Longo de 35Km para a Maratona do Porto (2017)

Foi no dia 30 de Setembro. Lembro-me de que comecei no Pingo Doce de Sacavém e corri até à Praia de Carcavelos. Bom, aqui foi fácil de perceber o que aconteceu. Estava em forma mas… não comi o suficiente na véspera e antes do longo. Lembro-me de que ao jantar não comi os meus queridos hidratos que tanta energia me dão (foi certamente uma estupidez), e ao pequeno-almoço deveria ter juntado às minhas papas de arroz uma banana e duas colheres de manteiga de frutos secos, mas não o fiz. Sei claramente que o combustível terminou ao km 30 por falta de comida. Eu sentia isso no corpo. Mesmo quando erramos é importante tentarmos identificar a causa do “muro” para evitarmos voltar a passar por situações idênticas. E é isto que também me encanta na preparação da prova, isto de descobrirmos o nosso corpo e explorarmos os nossos limites!

Há aqui um ponto em comum a estes três momentos: é que este “muro” foi, felizmente, um “murinho”. Ainda assim, custou-me superar estes momentos. E o que é que me deu força? Eu respondo-vos com um momento muito emotivo na segunda vez que corri a Maratona do Porto. Estava muito calor, e eu devia ir pelo km 28, quando uma outra corredora, do outro lado da rua (ela já vinha no retorno, vinha na pirisika), me disse: “Vai, Belinha! Até aos 30 corres com as pernas, depois é só coração!”

Eh, pá! Isto é tão verdade! É a mente que comanda o sonho, malta. Se quisemos correr aquela maratona, então vamos conseguir terminá-la. Já sabíamos que ia ser difícil, foi para isso que nos preparámos, para podermos aproveitar a corrida, senti-la, vivê-la, mesmo com dor, com sofrimento. Só que esta dor tem de se confundir com prazer. E é quando parece que isso não está a acontecer que tem de entrar a cabeça, a força mental, que nos deve comandar até ao fim. Isto exige concentração, foco, capacidade de sofrimento, mas é disto que os corredores também são feitos.