“Errar é humano”, é um dos ditados que nos vão acompanhando ao longo da vida. Entre sucessos e insucessos cada erro é, acima de tudo, uma oportunidade de aprendizagem. É assim na vida e é assim no desporto. É por isso que, construir uma carreira desportiva de sucesso, ou simplesmente ter no desporto, um alicerce de uma vida mais ativa e saudável, irá depender, em diferentes momentos, da forma como a cada erro, desenvolvemos novas competências e tornamos a nossa experiência desportiva ainda mais produtiva.

Isto significa, que em primeiro lugar, teremos de aceitar que vamos errar. Se não formos capazes de o fazer condenamos, à partida, um sem número de aprendizagens valiosas ao longo da vida. Em segundo lugar, temos de avaliar o processo de forma relativamente detalhada, porque muitos erros terão de ser descobertos e não nos saltam à vista de forma imediata. Falamos em construir sistemas de controlo ou de avaliação que nos permitam identificar essas falhas.

O treino deve conter bases científicas, tão sólidas quanto possível, mas a forma como se vai traduzir no desempenho individual, faz do treino uma mistura muito rica de conhecimento e sensibilidade. Tenho lidado, ao longo dos treinos, com muitos atletas de nível competitivo muito alto, assim como de atletas puramente recreativos. Ambos aspiram melhorar, ambos cometem erros e nem sempre se torna fácil explicar que é preciso evitar repetir os mesmos erros vezes sem conta.

  • Um dos maiores erros, cada vez mais usual pela proliferação de informação nas redes sociais, é pensarmos que devemos copiar os modelos dos melhores. Quando vemos um treino de um atleta de elite a grande questão que temos de fazer é mais, “Como é que alguém pode chegar a este nível de prestação e quais os passos que nos levam lá?”, e não tanto “como posso copiar esse treino para as minhas rotinas?”. É que copiar, mesmo que com menos volume ou adaptações, é não entender que o que está em causa é o processo que terá levado esse atleta até esse nível e não a forma como treina num determinado momento.
  • Os limites de evolução individual são os que o nosso corpo e mente nos permitem atingir e não, o que posso comparar com os outros. A comparação com os outros é um erro que pode ter duas faces:
    1. posso ser melhor que outros e não perceber que tenho potencial para ser muito melhor;
    2. posso ser pior do que outros e não entender que a minha realidade de partida (não só genética) é diferente. Por isso devemos comparar cada atleta consigo mesmo ao longo do tempo e ter uma monitorização real e efetiva do que cada um vai fazendo e melhorando no seu percurso desportivo, estabelecendo objetivos a atingir em função das capacidades do atleta e não em comparação com os outros.
  • Um outro problema é não sabermos aproveitar as oportunidades que o nosso treino nos vai dando. Muitas vezes podemos estar no caminho certo, mas esse percurso é duro e pode parecer mais fácil e rápido seguir atalhos. Estas tentativas de encurtar distâncias rumo aos nossos anseios desvia-nos de percursos de exigência na base de estratégias repetidas que irão consolidando as adaptações necessárias e de forma estável no tempo. Encurtar distâncias é o mind-set de muitos jovens que são cada vez mais preparados para acreditarem no sucesso fácil.
  • Ter um mau resultado numa competição significa, acima de tudo, uma oportunidade de cruzar esse resultado com o processo realizado até ali e com as avaliações que vão sendo feitas. Quando se ganha aprende-se pouco, mas quando algo corre mal, o nível de aprendizagem pode ser incrível, porque existe imensa informação que ajuda a percebermos o que devemos fazer no futuro. Ter um mau resultado, deve ser visto como uma oportunidade de seguir novos caminhos, criar novas rotinas e aperfeiçoar o processo de treino desenvolvido até aí.
  • A quantidade nunca deverá sobrepor-se à qualidade. Fazer muito mais, mal feito, não significa melhorar e pode dar-nos o resultado contrário. Se faço um treino longo, copiando o registo de um bom corredor mundial, porque lhe copio os kms e não o tempo de treino, para que nesse tempo tenha uma corrida tecnicamente eficaz? Se procuro aumento de peso nas cargas de sessões de força, será que desenvolvi antes pressupostos de coordenação intra e inter-muscular capazes de me dar o verdadeiro proveito desse aumento de cargas?
  • A consistência é uma palavra mágica que pode demorar anos a ser desenvolvida. Se falamos num mínimo de 10 anos para se chegar a níveis de performance elevados em diferentes áreas (não só no desporto), porque desistimos ao fim de pouco tempo de trabalho e andamos sempre a querer mudar tudo sem um rumo definido? A solução para dar tranquilidade passa por avaliar para mensurar de forma regular evoluções que nos confirmem que estamos a seguir o caminho certo. Avaliar, permite detetar erros de planificação ou confirmar a inexistência de falhas, pelo que se torna difícil entender porque não é uma ferramenta mais utilizada no desporto, em especial de alto rendimento.

Procurar erros é dos maiores desafios no planeamento de treino de um atleta. A dimensão do erro pode também ser diferente e reproduzir maior ou menor influência na performance. Perseguir o erro, significa cuidar da nossa aprendizagem e da evolução de um atleta. Por isso, o melhor exemplo de atleta, para cada um, é o desempenho continuado de si próprio e com isso, encontrar o melhor sistema de deteção de erros e de soluções. O treino é, em grande parte, um longo processo de identificação do erro e procura imediata da solução mais adequada.

Se é assim no treino, não é menos na vida pessoal de cada praticante. E quando usamos o desporto para ensinarmos jovens a conviver com o erro, acabamos por os ensinar que não faz sentido receber uma “medalha” quando não fomos competentes no processo, mas a valorizar a tradução final de mecanismos de correção sistemáticos ao longo da vida. A “medalha” será de mérito e não de participação. O jovem não deve achar que está tudo bem porque recebe uma determinada quantidade de likes que lhe dá a oca e errada sensação de sucesso, mas porque desenvolve estratégias de aperfeiçoamento onde aprende a ser melhor no desporto e na vida.