Já alguma vez sentiste que o teu corpo está a gritar… mas ninguém ouve? É isso que muitas vezes acontece com as alergias. Por detrás dos espirros, das manchas na pele, da comichão insistente ou daquela sensação de sufoco, está um corpo que não está a “falhar” — está a tentar proteger-se. Mas a sua forma de reagir parece exagerada. E é aí que precisamos parar e escutar.
Estamos a falar das alergias, tão presentes em épocas como a primavera.

Quisemos entender o que são as alergias e ir além do sintoma. Juntámos quatro mentores de áreas complementares — medicina, macrobiótica, homeopatia e herbalismo — e perguntámos: afinal, o que são as alergias e como as podemos compreender à luz de uma visão mais integrativa da saúde?

O QUE SÃO AS ALERGIAS?

As alergias são, basicamente, uma resposta intensa do sistema imunitário a algo que, em princípio, não devia ser visto como uma ameaça: pólen, pelo de gato, clara de ovo, frutos secos… Para a maioria das pessoas, estes elementos passam despercebidos. Mas, num organismo mais sensível, disparam um alarme interno — e o corpo faz de tudo para os expulsar. Espirra, lacrimeja, inflama, produz muco, desencadeia diarreias… São mecanismos naturais de defesa para limpar e libertar o corpo desse agente agressor.

Como o mentor Rodrigo Ayoub nos explica, “alergia é uma resposta do nosso sistema imunintário a um agente que o corpo reconhece como um agressor. Ela acontece principalmente pela liberação de um mediador chamado histamina, mas pode também ser por outras substâncias do nosso sistema imunológico. Muitas vezes a reação é exacerbada, o que gera os sintomas alérgicos mais conhecidos”.

Estes sintomas — espirros, tosse, comichão, erupções cutâneas, cansaço ou congestão — são, no fundo, o corpo a tentar proteger-se. É uma resposta natural, mas desequilibrada. E, como nos mostra a ciência, este desequilíbrio está profundamente ligado à saúde do nosso intestino: “hoje sabe-se da imensa importância das bactérias intestinais para o controlo de alergias, a partir da ativação de linfócitos em nosso corpo, chamados linfócitos T reguladores”, acrescenta o Rodrigo Ayoub. Por isso, a utilização de prebióticos e probióticos tornou-se um pilar da prevenção e do tratamento de doenças alérgicas, tanto agudas como crónicas.

O equilíbrio do sistema imunitário é essencial para a saúde. Quando funciona bem, reconhece com precisão o que é “nosso” e o que são substâncias potencialmente perigosas. Atua quando é necessário — sem exageros, sem omissões. Mas, quando esse equilíbrio se rompe, podem surgir dois extremos: uma reatividade exagerada (como nas alergias) ou uma falta de reação (como acontece, por exemplo, em doenças como o cancro, em que o corpo não reconhece células anómalas como uma ameaça).

COMO LIDAR COM AS ALERGIAS?

Há quem escolha simplesmente evitar o contacto com o alergeno. Quando possível, é um caminho sensato — afinal, se o corpo sofre com aquele estímulo, afastá-lo pode trazer alívio. Mas nem sempre é viável. Não podemos deixar de respirar a primavera, nem controlar tudo o que flutua no ar. Por isso, cada vez mais pessoas procuram ir mais fundo: não apenas aliviar os sintomas, mas compreender a raiz do desequilíbrio.

Os tratamentos convencionais, como os anti-histamínicos e os anti-inflamatórios, são eficazes a curto prazo. Atuam bloqueando a ação da histamina — a substância produzida pelo corpo como resposta aos alergenos — e travam a inflamação. Mas fazem-no silenciando o sistema imunitário. É como desligar o alarme, sem perceber porque tocou. Ao longo do tempo, essa supressão constante pode fazer com que o corpo “desista” de reagir. E, em muitos casos, vemos crianças com alergias graves que, mais tarde, deixam de ter sintomas… apenas para desenvolverem problemas respiratórios crónicos, como a asma. A resposta foi desligada, mas a causa continua lá.

ALERGIA: UM CORPO QUE GRITA PARA SER OUVIDO

A homeopata e mentora Filipa Abreu traz uma outra visão: “Já alguma vez sentiste que o teu corpo está a gritar… mas ninguém ouve? É isso que muitas vezes acontece com as alergias.
Para a homeopatia, a alergia é um sinal de que o sistema imunitário perdeu a capacidade de discernimento — reage de forma intensa a algo que, para a maioria das pessoas, é inofensivo.
O pólen, por exemplo, é um elemento natural, parte do nosso ecossistema. Mas para quem tem alergia, torna-se um gatilho de reações desconfortáveis e, muitas vezes, incapacitantes.

Segundo Filipa, os tratamentos convencionais como os anti-histamínicos “atuam bloqueando a ação da histamina e travam a inflamação. Mas fazem-no silenciando o sistema imunitário. É como desligar o alarme, sem perceber porque tocou.”

“Lembro-me de uma bebé de um ano, alérgica ao caju. Estava a brincar num parque com um frasco fechado onde havia cajus dentro. Não os comeu, não abriu o frasco — apenas esteve em contacto com ele. Minutos depois, o rosto encheu-se de manchas vermelhas que rapidamente se espalhavam pelo corpo. Da última vez que tinha ingerido caju, precisou de intervenção médica urgente. A mãe ligou-me aflita, tinha uma farmácia homeopática por perto, deu Apis Mellifica de imediato. Em uma hora, as manchas tinham clareado; depois de 3 horas a pele estava normal. Um ano depois, a mesma menina comia cajus sem qualquer problema, sem qualquer tratamento subsequente. O sistema imunitário dela deixou de reconhecer aquele alimento como uma ameaça.


Partilho também o caso de um menino de 10 anos, com múltiplas alergias — a pior delas, a pólen. O seu sistema respiratório era tão frágil que vivia doente. Pela sua história clínica, percebi que houve casos de tuberculose na família. E, naquele menino, a “memória” dessa fragilidade parecia expressar-se através da sua hiperreatividade imunitária. Iniciámos o tratamento homeopático e, em seis meses, ele deixou de precisar da terapêutica crónica que tomava, as alergias melhoraram substancialmente.

Estes são apenas alguns exemplos, entre muitos que observo na minha prática clínica. Ao longo do tratamento homeopático, vejo o sistema imunitário reequilibrar-se de forma gradual, levando à diminuição — e por vezes à resolução — das reações alérgicas. Embora cada organismo seja único e cada caso deva ser avaliado individualmente, estes padrões repetem-se e mostram como é possível abordar as alergias de forma mais profunda e integrada.”

Filipa Abreu, homeopata

A homeopatia propõe escutar esse alarme. Não para o abafar, mas para o compreender. E, depois, ajudar o corpo a reequilibrar-se — de dentro para fora. “Vejo o sistema imunitário reequilibrar-se de forma gradual, levando à diminuição — e por vezes à resolução — das reações alérgicas”, partilha.

O PAPEL DA ALIMENTAÇÃO E DO ESTILO DE VIDA

A Dulce Costa, especialista em macrobiótica, acrescenta uma camada essencial ao tema: a alimentação e o ambiente em que vivemos.

“Talvez te tenham feito acreditar que é normal ter alergias na primavera, mas o normal é que o teu corpo esteja adaptado a viver em ambientes naturais e não o contrário. As alergias são um dos problemas de saúde que mais tem aumentado desde a 2ª Guerra Mundial, em especial nos países industrializados e particularmente em crianças. Quando olhamos para trás, percebemos que o nosso corpo tem vindo a ser agredido por poluição e uma alimentação que o debilita e essa é a verdadeira causa das alergias.

Podemos considerar que os sintomas alérgicos são uma reacção exagerada do sistema imunitário e que a sua tratamento passa por melhorar a forma a que o organismo se adapte melhor ao meio ambiente circundante.”

As alergias são o resultado de um corpo fragilizado por anos de agressões: alimentação pobre, poluição, stress, produtos químicos. “A não exposição às substâncias ou o uso de medicamentos não resolve verdadeiramente o problema. Evita apenas que os sintomas se manifestem de forma mais extrema.”
A chave está em fortalecer o organismo, diminuir a reatividade e ajudar o corpo a adaptar-se melhor ao meio. “As mudanças de estilo de vida e a alimentação propostas pela Macrobiótica têm ajudado inúmeras pessoas, eu incluída, a deixar de ter alergias primaveris e isso deve-se, também, à melhoria do sistema imunitário que ajuda a baixar a reatividade do organismo.”

A RESPOSTA NATURAL DAS PLANTAS

O herbalismo, por sua vez, traz uma abordagem prática e ancestral que nos diz que “Um sistema imunitário equilibrado é essencial para uma resposta adequada a agentes como o pólen”, explica Sílvia Martins. Fortalecer a imunidade com plantas pode atenuar sintomas e prevenir reações mais intensas.

Entre as plantas mais eficazes, destacam-se:

  • Flor de sabugueiro, para congestão alérgica;
  • Hortelã-pimenta, para descongestionar as vias respiratórias;
  • Urtiga, com ação anti-histamínica natural;
  • Tomilho, milefólio, orégãos e verbasco, com ações expectorantes, anti-inflamatórias e imunitárias.

“As formas mais comuns de utilização incluem infusões, inalações e tinturas adaptadas a cada pessoa”, detalha.

As alergias não são apenas um incómodo — são um alerta. Algo no nosso sistema está em desequilíbrio. Podemos aliviar os sintomas com medicação convencional, como sabemos, mas também podemos ir mais fundo. A medicina já reconhece o papel do intestino na regulação do sistema imunitário. As abordagens complementares mostram-nos que o corpo fala, que o alimento é medicina e que a natureza é aliada.

Talvez a verdadeira cura comece no momento em que deixamos de silenciar os sinais e começamos a escutá-los com atenção.