Nunca valorizei tanto a minha saúde mental como hoje. A garra e o entusiasmo pelo que nos rodeia é essencial para vivermos a vida do jeito que ela nos pede. Não há nada mais triste e vazio do que “fazermos por fazer” sem o mínimo propósito.
O outro lado da moeda é a dificuldade em saber dizer “não” e em priorizar o que é importante para nós. Para nós e não para os outros. A longo prazo não conseguimos ser felizes dando apenas: temos de receber, de nos nutrir, de criar espaço para termos os nossos momentos de inspiração. Se não o fizermos, ficamos desvitalizados, cansados e até começamos a duvidar de nós e do nosso propósito.
O stresse é bom, mas nos manter em alerta e atentos às tarefas do dia a dia – sejam elas profissionais, pessoas, sociais ou desportivas.
Mas – e quando ele é constante durante dias, meses e anos? O que é que nos acontece?
Vivemos numa sociedade desafiante, cheia de estímulos e que todos os dias puxa sempre um bocadinho mais por nós. Temos todos de ser “Super Pessoas” (até porque o vizinho do lado é espetacular!).
O que a sociedade não sabe é que ser uma “Super Pessoa” passa por traçar um caminho de dentro para fora. Será que aquilo que te faz sentir poderoso (a) é o mesmo que me faz sentir a mim?
É a tentativa constante de querermos dar respostas, sempre ao mais alto nível, aos estímulos do exterior que nos pode levar ao chamado burnout. A melhor forma de o evitarmos, é começarmos por fazer uma auditoria à nossa essência, à nossa fibra:
É quando encontramos essas verdadeiras respostas que estamos aptos a cura.
Tapar os olhos a estes sinais, vai levar-nos a uma vaidade sem propósito.
Nunca desistam de vocês. Porque seremos sempre as pessoas mais importantes das nossas vidas.
Deixo-vos aqui dois testemunhos, de duas mulheres, que sentiram alguns dos sintomas de burnout.
Já foi há algum tempo que as entrevistei para a DoBem, mas será sempre um tema atual. A vida vai sempre colocar-nos desafios. O segredo é aprender a saber lidar cada vez melhor com estes momentos. É sempre possível, a partir do momento que nos escutamos a priorizamos.
Foi a uma sexta-feira do ano de 2019 que Maria, nome fictício, tomou a decisão de que precisava de pedir ajuda. Os sinais de cansaço, emoção extrema e dificuldade em gerir as situações simples do dia a dia passaram a ser frequentes e a atingir uma dimensão muito maior. A juntar a isso, a ansiedade e tristeza passaram também a estar cada vez mais presentes na sua vida. “Cada vez que tinha de ir trabalhar sentia uma exaustão e tristeza enorme associada a uma falta de decisão da direção ou, neste caso, da administração a quem eu reportava”, conta à DoBem.
Por isso mesmo, Maria recorda que 2019 foi um ano muito desgastante em termos profissionais. Na altura, com apenas 37 anos, começou a sentir uma grande frustração relativamente a um conjunto de decisões que implicavam com a progressão na carreira. “Essa situação de desgaste, acumulação de tarefas, de funções e responsabilidades foi aumentando ao longo do tempo e, quando dei por mim estava a gerir sozinha, e sem recursos, uma parte muito significativa da organização onde trabalhava”, recorda.
Esta falta de decisão e de ajuda fez com que Maria fosse aguentando a situação durante muito tempo. Ao fim de algum tempo, e sem que percebesse exatamente o que se estava a passar consigo, o seu estado de saúde emocional e físico foi-se deteriorando. Sem saber, Maria estava a entrar em burnout, um conceito que, nos últimos meses, tem vindo a ganhar cada vez mais mediatismo.
Esta síndrome tem vindo a ganhar mais notoriedade ao longo dos últimos anos, no entanto, os últimos meses têm sido especialmente desafiantes para psicólogos e psiquiatras. São estes especialistas que, cada vez mais, recebem profissionais das mais diversas áreas nos seus consultórios com sintomas que ao encontro daquela que e a definição de burnout, sendo que os profissionais de saúde, alguns deles na linha da frente contra a pandemia da COVID-19, são dos mais afetados. No entanto, nem sempre é fácil para o próprio paciente perceber que está a entrar em burnout.
Ana Correia, psicóloga clínica, começa por explicar à dobem. que existe uma diferença entre stresse profissional e a síndrome de burnout — dois termos que podem, por vezes, ser confundidos. Mas antes de passarmos à explicação de cada um deles, vamos a números.
Ana Correia refere que, com base em resultados da Ordem dos Psicólogos que, em 2015, elaborou um inquérito aplicado na área das condições de trabalho, 40 milhões de trabalhadores em toda a União Europeia são afetados por burnout. Por outro lado, o stresse ocupacional é o segundo problema de saúde relacionado com o trabalho mais diagnosticado na Europa e quase três em cada quatro profissionais de saúde apresenta níveis médios a elevados de exaustão emocional, com diagnósticos semelhantes ao de um burnout.
Segundo a especialista, a maioria dos casos desenvolve-se em pessoas com profissões que estão mais relacionadas com o cuidado e a atenção aos outros, como é o caso dos profissionais de saúde ou professores. No entanto, a síndrome de burnout pode afetar qualquer área profissional. O caso de Maria, assim como o de Patrícia, que também optou por utilizar um nome fictício, são exemplo disso.
Foi no início de 2020 que Patrícia, 34 anos, decidiu procurar ajuda após passar por um grande pico de ansiedade. Na altura recorreu à médica de família e foi inicialmente diagnosticada com burnout, mas conta à dobem. que, quando chegou à consulta de Ana Correia, o diagnóstico passou a ser diferente.
“No fundo, o que a Ana me disse foi que havia algumas coisas que eram comuns a um burnout, mas outras não estavam presentes. Eu não me tinha desleixado no trabalho, por exemplo, e não me tinha afastado completamente”, explica Patrícia.
O stresse faz parte do dia a dia de todos nós. Quando estamos perante as várias situações do dia a dia, com as quais temos de lidar no nosso quotidiano, é como se o nosso cérebro fizesse duas perguntas rápidas: ‘Isto é um desafio ou uma ameaça?’ e ‘Eu tenho ou não recursos para esta situação?’
psicóloga Ana Correia
A especialista refere ainda que é no nosso dia a dia profissional, onde temos mais solicitações, que muitos de nós passamos a estar na faixa do stresse ocupacional. Para a psicóloga, esse stresse pode estar relacionado com cansaço, desmotivação, alguns desentendimentos no trabalho ou até mesmo com as políticas de algumas empresas. E é precisamente isso que o distingue de um i.
“Passamos a falar de burnout quando esta situação se vai acumulando e tornando crónica ao longo do tempo, ou seja, é como se passássemos aqui para uma faixa vermelha em que fica tudo a arder, tal como o próprio nome indica”, segundo a especialista, é também nesta fase mais crítica que passa a haver alguns pontos específicos para que se falar em burnout. “Estamos a falar de uma situação de esgotamento total, em que a pessoa se torna totalmente incapaz de cumprir as várias funções do dia a dia. Primeiro no trabalho e, depois, acaba por afetar todas as esferas da vida.”
Esta sensação de esgotamento físico e psicológico, de exaustão total, faz com que as pessoas deixem de conseguir responder aos vários desafios do quotidiano. Isto leva depois, segundo Ana Correia, a uma perda de realização pessoal e profissional, provocando baixa produtividade, sentimentos de inadequação e fracasso.
No caso de Patrícia, o desinvestimento no trabalho não se verificou, e foi esta característica que fez com que ficasse com um diagnóstico mais próximo de stresse ocupacional do que do burnout. A farmacêutica conta à dobem. que chegou à especialista por coincidência. Após ter consultado a médica de família, foi-lhe passada uma baixa, inicialmente de sete dias, que se prolongou por um mês. Foi durante um dos dias desta baixa que, ao assistir a um programa de televisão, tomou a iniciativa de procurar ajuda psicológica.
“Já há algum tempo, e porque já sofria de alguma ansiedade, que achava que precisaria de algum acompanhamento psicológico, mas nunca tinha seguido em frente com a ideia”, recorda.
Na altura, os sintomas que tinha estavam muito relacionados com “palpitações e taquicardias, assustava-me muito facilmente, tinha náuseas, esquecimentos, pensamentos intrusivos acerca do trabalho e esquecimentos”, conta.
Quanto ao tratamento que começou a fazer, Patrícia conta que, inicialmente, estava tudo muito focado em abordar os vários aspetos da vida como o contexto familiar, de trabalho, aquilo que a preocupava e o que a deixava mais ansiosa. Os vários exercícios que foi fazendo entre consultas foram fundamentais, uma vez que permitiram conhecer-se melhor.
“Isso incluía perceber o que é que era mais importante para mim, o que é que valorizava mais, reatar alguns contactos que se tinham perdido, definir estratégias de aumentar mais a confiança, reduzir o perfecionismo e retirar também muitas culpas e medos que estavam associados a isto”, explica, realçando que estas estratégias fizeram com que ganhasse mais confiança e segurança.
No caso de Patrícia, a entidade patronal percebeu a situação e tentou sempre ajudar. “Na altura, até senti alguma vergonha em partilhar este diagnóstico, mas tinha de o fazer de alguma forma, pelo menos com as pessoas mais próximas”, conta, relembrando o receio que teve em revelar o diagnóstico no local de trabalho. “Tive sempre algum medo, não sei se justificado ou não, que este diagnóstico pudesse depois ser aproveitado de alguma forma, mais por colegas, portanto ficou só entre estas duas pessoas e correu tudo bem.”
Não é como cair, partir a perna, pôr gesso fazer fisioterapia, e voltar a andar normalmente.
Contudo, a verdade é que nem sempre tudo corre bem e há entidades patronais que ainda não se encontram disponíveis para ajudar os seus colaboradores nestas situações. Maria é um desses exemplos.
“Fui fazendo vários pedidos de ajuda porque fui percebendo que algo não estava bem comigo e precisava de ajuda para continuar a ser a profissional que sempre fui, mas não me foi dada essa resposta, e isto foi-se prolongando no tempo.” Foi-se prolongando até ao dia em que não aguentou mais. “Houve um momento em que caí, emocional e fisicamente.”
Este momento decisivo aconteceu a uma sexta-feira, e Maria recorda que o fim de semana que se seguiu foi de reflexão e procura de ajuda. Na segunda-feira seguinte, procurou a médica de família, que já a acompanhava há vários anos.
“Nem foi preciso dizer o que estava a acontecer, porque eu nem conseguia falar”, recorda, assumindo que pensar neste dia ainda lhe traz muita dor. Foi nesse momento que Maria percebeu que estava a passar por um burnout. “É um processo difícil de reconhecimento, da aceitação de que isto acontece. Achamos sempre que há determinadas situações que não nos acontecem e vi-me confrontada com isso”, assume.
Depois de procurar de ajuda, seguiu-se a decisão de descansar 15 dias. No entanto, não foram suficientes. “Aquelas duas semanas não chegaram, um mês não chegou, e por aí adiante. Depois, comecei a ser acompanhada por um psiquiatra, porque não estava a conseguir ter os resultados que eram pretendidos com a medicação e, portanto, já era necessário um olhar complementar para a minha situação”, conta à dobem. assumindo que este foi um dos momentos mais difíceis da sua vida — aquele em que teve de assumir que não estava bem, quer emocionalmente, quer fisicamente.
Chegou a pesar 40 quilos, mas, apesar de tudo, considera que conseguiu ser forte perante a situação. “Hoje olho para trás e acho que mantive sempre uma força enorme”, diz à dobem. “Não dei o braço a torcer a um conjunto de situações que são muito fáceis que nos aconteçam, especialmente quando vivemos estes estados de doença.”
Nós vivemos numa sociedade feita de exemplos de super pessoas e portanto achamos que isto só acontece aos fracos.
Apesar de já ter passado mais de um ano desde o dia em que decidiu procurar ajuda, Maria confessa que o medo de voltar a passar por uma situação idêntica permanece . “É um processo de aprendizagem que nunca mais é concluído. Não é como cair, partir a perna, pôr gesso fazer fisioterapia, e voltar a andar normalmente. Não, volta-se a andar, mas com sequelas, porque a realidade é que elas ficam lá.”
Maria revela que foram muitos anos a acumular um conjunto de ansiedades, frustrações, cansaço extremo, sempre com a esperança de que, algum dia, as coisas fossem diferentes por parte da entidade patronal, mas esse dia não chegou. “Eu é que estava mal e eu é que tinha de me retirar, e assim aconteceu. Aquilo que as pessoas muitas vezes acham é que o burnout é uma birra, mas isto é muito mais do que uma birra. Estamos a falar de muita dor, que traz sequelas. Ainda hoje tenho medicação que faço diariamente”, assume.
Maria continua a ser acompanhada todos os meses e faz questão de afirmar que esta tem sido uma ajuda essencial. Hoje, consegue perceber que se tivesse olhado para os sinais mais cedo talvez não tivesse passado por esta situação tão drástica. “O que posso deixar para outras pessoas, que possam viver isto, é que não tenham vergonha, não tenham medo de procurar ajuda e de, no limite, falarem com o vosso médico de família ou alguém competente na área, para perceber se estes sinais são estruturais ou são só consequência de um outro episódio que possam estar a viver”.
Maria alerta ainda para a necessidade de sabermos parar e pedir ajuda nos momentos em que nos encontramos mais frágeis. “Nós vivemos numa sociedade feita de exemplos de super pessoas e, portanto, achamos que isto só acontece aos fracos. Hoje percebo que não, que isto acontece às pessoas que têm essência, que são fortes e sabem parar. É essencial reconhecermos os sinais que o nosso corpo e a nossa mente nos vão dando”, remata.
Tanto no caso de Maria como de Patrícia, a ajuda de profissionais de saúde foi, e continua a ser, essencial. Para Patrícia, o acompanhamento psicológico tem sido “uma segurança”, e fez com que passasse a ouvir-se, a não ignorar o que precisa em cada momento e a entender que essas necessidades são legítimas.
Ana Correia explica que é importante que a forma de abordar o burnout contemple as várias áreas da vida do doente. “Idealmente, nem deveria chegar-se a um ponto destes se as políticas de emprego e as estruturas das entidades patronais estivessem atentas aos profissionais e criassem boas condições de atendimento e suporte”, diz a especialista, revelando que há já várias empresas atentas a estes problemas.
“Estamos a falar de situações de saúde pública e situações que, de facto, afetam o profissional de uma forma muito incapacitante e, muitas vezes, a forma de sairmos de uma situação destas implica ajuda especializada.”
Segundo Ana Correia, a baixa médica é a única forma de, inicialmente, a pessoa se afastar da situação de sobrecarga do trabalho e começar a trabalhar alguns comportamentos de saúde global.
Patrícia conta à dobem. que, com a psicóloga, tem trabalhado muitas estratégias de autocuidado. “Passavam por vários momentos diários para fazer algo de que gostasse muito, mesmo que breves, como: escrever, ler, cinco minutos de silencio, parar cinco minutos para respirar, meditar, ritual de chá. Este trabalho fora das consultas, que nunca foi obrigatório, foi sempre muito produtivo e revelador para mim”, confessa.
A especialista salienta que o essencial é mesmo proceder de imediato a uma avaliação da sintomatologia física do doente. “Muitas vezes, o que acontece nestas situações é que a pessoa passa a ter muitas dificuldade em dormir, pode começar a haver situações de muitas dores de cabeças, muitas dores musculares, alterações da tensão arterial, alterações no sistema imunitário — que podem abrir portas para mais doenças.”
Segundo a psicóloga, o burnout pode demorar muito tempo a passar “se nós não conseguirmos atender a este problema logo numa fase inicial e abordarmos estas áreas de vidas, isto pode-se tornar um problema crónico”, podendo-se passar a falar de questões de estados mais depressivos ou ansiosos.
O stresse do dia a dia é algo que afeta muitas pessoas, mas é quando começamos a perceber que esse estado começa a comprometer a nossa vida que devemos começar a ficar atentos. “É como pensarmos numa escala de cores e se percebermos que os sintomas começam a estar para o laranja ou vermelho, e que se mantêm, é grave”, remata a psicóloga.
A Isabel Silva nasceu a 8 de maio de 1986 e é natural de Santa Maria de Lamas. Licenciou-se em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa, e fez uma pós-graduação em Cinema e Televisão pela Universidade Católica. Fez um curso de Rádio e Televisão no Cenjor e foi o seu trabalho como jornalista e produtora de conteúdos na Panavídeo que a levou para a televisão, em 2011. Durante 10 anos apresentou programas de entretenimento e, de forma intuitiva e natural, percebeu que aquilo que a move é a criação de conteúdos que inspirem, motivem e levem os outros a agir. Tem uma paixão enorme por comunicar e tudo o que comunica está intimamente ligado a uma vida natural carregada de energia, alegria e simplicidade.
É autora dos livros “O Meu Plano do Bem”, “A Comida que me Faz Brilhar”, “Eu sei como ser Feliz” e da coleção de livros infantis “Vamos fazer o Bem”.
Descobriu a paixão pela corrida em 2015, em particular pela distância da Maratona – 42.195m. Tem o desejo de completar a “World Marathon Majors” que inclui as 6 maiores Maratonas do Mundo. Já correu Londres, Boston, Nova Iorque e Berlim.
A 14 de Dezembro de 2016 lançou o blogue Iam Isabel e que hoje, numa versão mais madura, mas igualmente alegre e enérgica, é o canal DoBem.