Após os excessos típicos das festas, o retorno ao normal pode ser doloroso. No meu primeiro treino pós-Natal, enquanto aquecíamos, as queixas começaram a surgir: dores nas articulações, sensação de inchaço, cansaço excessivo, pernas pesadas. Todos compartilhavam os efeitos dos abusos alimentares e das festas. E se para quem segue um estilo de vida saudável já é difícil recuperar depois de apenas alguns dias de excessos, o que acontece quando esses hábitos se prolongam ao longo dos anos? Neste artigo, vamos explorar como a alimentação e o estilo de vida que podem ser a chave para desinflamar o corpo e restaurar o equilíbrio de forma natural.

No primeiro treino após o Natal, ainda estava a fazer o aquecimento e já ouvia queixas: doem-me mais as articulações; sinto-me inchada parece que engordei três quilos; hoje estou sem energia; as minhas pernas pesam uma tonelada. O aquecimento foi feito entre conversas sobre as dores e os abusos nas celebrações natalícias. Quanto a mim, acredito que todos nós conseguimos estabelecer a relação entre hábitos alimentares e dores ou cansaço, e perceber o impacto daquilo que comemos na nossa saúde e no nosso nível de energia.

Se as pessoas que têm habitualmente um estilo de vida saudável e cuidados alimentares sentem o que descrevi só por abusarem dois dias de açúcar, gorduras e álcool – o que é que acontece se prolongarmos os abusos durante anos?

Não sei se já pensaste que muitos dos “abusos de Natal” se tornaram hábitos alimentares diários para muitas pessoas e que as consequências estão à vista com o número de doenças crónicas a aumentarem. Açúcar, álcool, fritos, bolos e sobremesas, deixaram de ser de consumo esporádico para passarem a ser de consumo diário. E pior do que isso, deixamos de comer refeições cozinhadas por nós para começar a comer a comida que a indústria alimentar nos oferece ou que as empresas de entrega de refeições nos trazem a casa.

Hoje venho falar-te de como é que a alimentação e o estilo de vida com os princípios da Macrobiótica poderão ajudar a desinflamar o corpo naturalmente, com estratégias simples e alimentos ao alcance de todos.

O QUE É A INFLAMAÇÃO

A inflamação é um processo natural que o nosso corpo realiza com o objetivo de nos proteger. Face a uma ameaça (lesão, infeções, contacto com substâncias perigosas, etc.) o corpo desencadeia um conjunto de processos que visam proteger o organismo, reparar tecidos, impedir a proliferação de uma infeção e combater invasores (vírus, bactérias).

O processo inflamatório deve ser temporário e não muito exacerbado, porque se for descontrolado pode até levar à morte (como por exemplo com um choque anafilático, que é apenas uma reação inflamatória aguda descontrolada a um alérgeno).

Quando a inflamação deixa de ser aguda e se torna crónica estamos perante um problema, porque o organismo está sempre em estado de alerta, a desencadear processos que deviam ser temporários e que, mantidos por muito tempo poderão causar as chamadas “doenças crónicas” como diabetes tipo 2, doenças cardíacas, artrite, obesidade e cancro.

Os abusos de Natal vão causar inflamação crónica? Claro que não, a inflamação que muitos de nós sentimos a seguir a termos comido alimentos inflamatórios como o açúcar, lacticínios, fritos e álcool é temporária e devemos agradecer ao nosso corpo por ficar inflamado no dia a seguir às festas porque isso significa que está a funcionar bem.

O problema está quando o estado de inflamação passa a ser o “estado natural” do teu corpo.

Quando a nossa alimentação é à base de alimentos refinados e com uma densidade nutricional baixa o nosso organismo produz substâncias iguais às que produziria perante uma agressão aguda, com valores mais baixos, claro, mas que se mantêm continuadamente.

A inflamação é um processo que existe apenas para ser utilizado em momentos em que a nossa vida está em risco por causa de uma agressão, vai estar sempre a ser solicitado, diminuindo a imunidade e aumentando valores de substâncias inflamatórias que debilitam o organismo.

INFLAMAÇÃO CRÓNICA: É POSSÍVEL REVERTER?

Nesta altura talvez estejas a perguntar quais são os sintomas que o corpo manifesta quando a inflamação se torna crónica – e se é possível reverter.

Muito antes de surgir uma doença mais grave, o organismo mostra que não está bem. A tendência é acharmos que é normal sentirmos alguns desses sintomas que deveriam, pelo contrário, deixar-nos em alerta.

Alguns dos sintomas mais comuns e que são ignorados porque pensamos que não significa que estamos doentes, poderão ser: cansaço, sono durante o dia, insónia noturna, obstipação ou diarreia, mal-estar digestivo, dores, excesso de peso e inchaço, muco, eliminação pela pele como acne, entre outros. Se já fizeste análises e elas não revelam nenhum problema hormonal, anemia ou outro, possivelmente o teu corpo está a dizer que está inflamado. Não ignores os sinais.

Lembro-me de estudar em Coimbra e de ter de tomar anti-histamínico por causa da alergia ao pólen. Uma das minhas maiores alergias era à flor de oliveira. Quando comecei a dar aulas, e vivia num local com oliveiras, as alergias eram de tal forma fortes que chegava a ficar afónica, com os olhos inchados e o nariz com corrimento constante. Sofria muito e nunca pensei que isso fosse reversível, achava que era uma coisa normal, até dizia que era alérgica ao pólen, como se isso fosse natural.

Apesar de ter chegado à Macrobiótica por outros motivos, depois de ter feito alterações alimentares nunca mais tive alergias ao pólen. Como é que isto aconteceu? O meu corpo desinflamou e deixou de ser tão reativo. O Professor João Carvalho das Neves também relata que: “O que me resolveu os problemas de alergias aos ácaros e o pólen das oliveiras foi a alteração do estilo de vida que incluiu uma alimentação macrobiótica, prática regular de chi-kung e meditação mindfulness. A alimentação Macrobiótica foi iniciada, porque tinha um filho de 7 anos que sofria de hipoglicémia e o Francisco Varatojo convenceu-me a experimentar a Macrobiótica com ele. No final ficámos os dois mais saudáveis.”

A maioria das pessoas que iniciam uma alimentação macrobiótica sente que diminui volume, perde peso e ganha energia. A Ana Sofia Santana, relata assim a sua experiência: “Pesei-me antes de iniciar o curso da Dulce, e apesar de sentir que estava a comer mais quantidade e à vontade, ao fim de quatro semanas voltei a pesar-me tinha menos três quilos. Fiquei boquiaberta, porque normalmente tenho dificuldade em perder peso, e apenas retirei alguns alimentos e substitui por outros, sem fazer grandes restrições.”

Há casos em que as pessoas estão inflamadas, têm excesso de peso, mas o seu organismo está com deficiência a nível de muitos nutrientes. Fazer uma dieta muito restritiva poderá ainda agravar mais o problema, principalmente se não forem acompanhadas por um profissional de saúde que verifique se os valores de ferritina, minerais, vitaminas, entre outros, estão nos intervalos desejados. Comer bem todos os dias, dar ao corpo alimentos nutricionalmente densos, é que faz com que se desinflame e se perca peso sem pôr em risco a saúde.

Antes de se pesar a Ana Sofia já me tinha dito que tinha perdido muito volume, que a roupa estava a ficar larga. O que aconteceu à Ana Sofia para ter esta perda de peso, foi a redução de inflamação.

Muitas vezes até achamos que estamos a fazer tudo certo como o Daniel Mendes da JRNY Fitness que diz: “Como profissional da área do exercício físico, sempre tive muita atenção e cuidado com a minha alimentação. Fazia uma alimentação “limpa” que vista “de fora” era totalmente saudável. Mas só quando comecei a descobrir mais sobre macrobiótica é que comecei a entender que um alimento não basta ser saudável a nível quantitativo. Posso ingerir todos os nutrientes necessários, mas se o meu corpo não os consegue absorver, de nada me serve. Apesar de me alimentar bem, eu continuava com imensos problemas de refluxo gástrico e uma acne muito severa, para não falar dos níveis de energia altamente instáveis.” O Daniel soube ouvir o seu corpo que já manifestava através da pele e do sistema digestivo, sinais de que a alimentação o estava a deixar doente. O Daniel partilha ainda: “A macrobiótica ajudou-me a conhecer melhor o meu corpo, e a ter mais conhecimento para escolher aquilo que me faz bem. Só aí, quando comecei a inserir certos tipos de alimentos e a eliminar outros (especialmente proteína animal) é que vi a minha acne desaparecer, e já quase não me lembro do que é ter refluxo gástrico! Incrível como a simplicidade da alimentação integral, sazonal e local pode fazer tanta diferença!”

O que podemos fazer para diminuir a inflamação

Muitas vezes, a busca pela saúde é associada a tratamentos complexos e custos elevados. No entanto, quando falamos em reduzir a inflamação crónica, que como vimos é uma das raízes de diversas doenças, a solução pode estar mais próxima do que imaginamos: no nosso prato e nos hábitos diários.

As recomendações alimentares segundo a filosofia Macrobiótica na sua maioria estão de acordo com o que atualmente se recomenda como dieta anti-inflamatória.

A alimentação Macrobiótica é deliciosa e quando usamos alimentos locais, sazonais, confecionados em casa e maioritariamente de origem vegetal é bastante mais em conta do que a alimentação que costumamos chamar de moderna.

As escolhas alimentares desempenham um papel fundamental na modulação da inflamação e não precisamos de ir buscar superalimentos caros que nos chegam do outro lado do mundoOs alimentos que devem ser a base da tua alimentação diária estão nos mercados e praças, nas lojas que vendem a granel, na zona de “alimentação saudável” dos supermercados, nas salinas portuguesas e nos cabazes biológicos que muitas quintas disponibilizam.

Acompanha-me num prato que temcereais integrais, leguminosas ou derivados, vegetais e frutos da época, alimentos fermentados, algas, sementes, oleaginosas, complementados com alguns produtos de origem animal, como peixe ou ovo. Estes alimentos não são dispendiosos e são fáceis de adquirir e mesmo os mais estranhos, como as algas, já são de produção nacional.

Os cereais integrais e leguminosas, que do ponto de vista da macrobiótica são alimentos equilibrados do ponto de vista Yin e Yang e também são verdadeiros aliados na diminuição da inflamação crónica por diversos motivos:

  • São ricos em fibras: ajudam a regularizar o sistema digestivo, promovem a saciedade e contribuindo para um controle mais eficaz dos níveis de açúcar no sangue, o que é fundamental para reduzir a inflamação e evitar o consumo excessivo de alimentos processados. A fermentação das fibras pelas bactérias intestinais melhoram a saúde do microbioma intestinal, o que está diretamente ligado à redução da inflamação.
  • São fonte de antioxidantes: que combatem os radicais livres, responsáveis por causar danos às células e promover a inflamação.
  • São fonte de aminoácidos essenciais (proteína) de alta qualidade: as leguminosas, em particular, são uma excelente fonte de proteína vegetal, essencial para a construção e reparação dos tecidos. Juntamente com os cereais fornecem os nove aminoácidos essenciais.

Na alimentação Macrobiótica também se utilizam em quantidade e em todas as refeições vegetais e alimentos fermentados como chucrute, pickles naturais, miso entre outros. Eles ajudam a dar frescura ao prato e a equilibrá-lo. Os fermentados são ricos em probióticos: microrganismos benéficos que ajudam a equilibrar a flora intestinal e reforçar a imunidade. Ao incluirmos alimentos fermentados diariamente no prato, estamos a reforçar o sistema digestivo e a tornar a microbiota intestinal mais saudável, o que, por sua vez, reduz a inflamação em todo o corpo.

Os vegetais são ricos em compostos que combatem os radicais livres e reduzem a inflamação.

Em menos quantidade, mas com regularidade também se utilizam sementes, oleaginosas e gorduras saudáveis como a do azeite, algas e peixe. Estes são fontes de minerais e gorduras boas que promovem a regulação da inflamação no organismo.

Em relação à alimentação, na Macrobiótica recomenda-se que não se consuma: açúcar, cereais e farinhas refinadas, álcool, químicos, lacticínios, gorduras de má qualidade, alimentos ultraprocessados. Estes alimentos, apelidados de extremo Yin, tendem a desequilibrar o organismo, tornando-o mais ácido. Estes alimentos também são reconhecidos, atualmente, por serem promotores de inflamação.

Se chegaste até aqui, poderás estar a pensar que parece demasiado simples e, sem dúvida, barato, fazer uma alimentação anti-inflamatória. É verdade!

Claro que deves complementar o que pões no prato com hábitos de estilo de vida, recomendados na filosofia Macrobiótica como sendo promotores de saúde e atualmente reconhecidos por ajudarem a reduzir a inflamação. Estes hábitos também são acessíveis e sem custos associados:

  • Não comer nas 3h que antecedem ir para a cama: este hábito permite que faças pelo menos 12h de jejum noturno e que o teu sistema digestivo e todos os órgãos que necessitam de descanso tenham pelo menos essa pausa. Promove um sono mais profundo e reparador. Dormir bem está associado a níveis de cortisol mais regulados, o que tem impacto direto na inflamação.
  • Praticar atividade física regularmente: O exercício físico melhora a circulação, aumenta a produção de hormonas de bem-estar, ajuda a reduzir o stress e está associado a uma maior imunidade, contribuindo para a redução da inflamação. Uma caminhada diária em passo acelerado não tem custos e, se não tens hábitos de exercício físico, podes começar por aí. Calça uns bons ténis e vai.
  • Meditar, agradecer, refletir, redirecionar: Tirar alguns momentos por dia para meditar, agradecer, refletir e fazer pequenos ajustes de vida é uma das recomendações da Macrobiótica. Este tipo de práticas estão cada vez mais reconhecidas como sendo promotoras de bem-estar e redução de inflamação.

O SEGREDO: CONSISTÊNCIA

A inflamação crónica é um problema sério.

Nada do que escrevi anteriormente é difícil de implementar. Só é necessário começar e manter a consistência.

Acredito que muitas vezes o queiras fazer mudanças duradouras, mas que as pessoas à tua volta não te facilitem as mudanças. No entanto, quero relembrar-te que és tu que vives no teu corpo, e que viver num corpo inflamado é como viver dentro de uma fogueira em que as brasas ainda estão quentes. Esta fogueira não consome a tua saúde de uma vez, como aconteceria se a fogueira estivesse com fogo intenso, mas vai consumindo aos poucos, deixando marcas e doenças com as quais não queres viver o resto da tua vida.

As mudanças são simples e não custam dinheiro. Começa e deixa que seja a tua alimentação e estilo de vida de hoje a construírem o corpo com que queres viver amanhã.

Nota importante: As informações contidas neste artigo não substituem, de forma alguma, o diagnóstico ou tratamento profissional. Se suspeitar que sofre de uma doença grave ou de problemas que necessitam de aconselhamento médico, consulte um profissional qualificado.