Cérebro e intestino: uma conexão fascinante

Cérebro e intestino: uma conexão fascinante

Do BemDo Bem
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23.05.2023

Como bem sabemos, cérebro e intestino são dois órgãos fundamentais – com funções distintas – no nosso corpo. Contudo, tem sido descoberta, recentemente, uma relação fascinante entre eles, indicando que estão conectados de maneira profunda e incrível. Vamos perceber como ela nos é vital.

Certamente que já ouviram dizer que o intestino é o nosso “segundo cérebro”, devido à sua capacidade de influenciar a saúde digestiva, mas também a saúde mental e emocional. Vamos, então, desvendar os segredos de como esses dois sistemas podem trabalhar em harmonia de forma a serem promotores da nossa saúde e bem-estar.

No seu livro O Segundo Cérebro, o professor e investigador Michael D. Gershon, considerado como o pai da neurogastroenterologia, relata as relações do cérebro com o sistema gastrointestinal. Nele, é descrito o papel importante da fisiologia do intestino, que desempenha funções neurotransmissoras, nomeadamente na produção de serotonina, que está a cargo deste órgão em cerca de 90% (os restantes 10% estão dependentes do cérebro). Para além da serotonina, o intestino produz outras substâncias importantes, em interacção com o cérebro, que garantem o bem-estar integral do indivíduo, nesta maravilhosa e complexa articulação.

É a serotonina que promove a alegria de viver. Em défice da mesma, as depressões manifestam-se, sendo habitual o recurso a medicamentos anti-depressivos que, com frequência, não resolvem o problema, na medida em que as sua actuação não vai ao cerne da questão. Nalguns casos, produzem, inclusive, o efeito contrário ao desejado e/ou efeitos secundários diversos e de difícil previsibilidade.

Benilde Santos, especialista Ayurveda

A LIGAÇÃO ENTRE O CÉREBRO E O INTESTINO

Está provado que o cérebro e o intestino trocam informações e se influenciam mutuamente através de uma complexa rede que incide nos sistemas imunitário, nervoso e endócrino. Desde 2003 foram publicados mais de 2000 artigos científicos sobre este tema, dando à investigação sobre o microbioma uma grande força. Há dois nomes que se destacam bastante neste tema: John F. Cryan e Ted Dinan, dois dos investigadores que têm contribuído significativamente para os estudos sobre a conexão entre o cérebro e o intestino e que descobriram que as bactérias intestinais têm um papel fundamental na regulação do sistema nervoso central.

Entendemos assim que o intestino também tem neurónios que podem não ser capazes de raciocinar, mas são capazes de sentir e de enviar informação ao nosso sistema nervoso para que ele possa agir – dando-se uma comunicação continua. Mas como? Através de um complexo sistema de sinais neurais, substâncias químicas e vias de comunicação. Vamos explicar:

  1. Sistema Nervoso Entérico (SNE): o intestino possui um sistema nervoso próprio, conhecido como sistema nervoso entérico (SNE). O SNE é composto por uma rede de neurônios que se estende ao longo de todo o trato gastrointestinal e que estão em constante comunicação com o cérebro através de sinais neurais.
  2. Eixos de comunicação bidirecional: o cérebro e o intestino estão conectados por um eixo conhecido como eixo cérebro-intestino. Este envolve o sistema nervoso central (cérebro) e o sistema nervoso entérico (intestino) e permite a troca de informações e sinais entre os dois órgãos. Essa comunicação ocorre através de vias neurais, hormonais e imunológicas.
  3. Neurotransmissores: os neurônios presentes no intestino e no cérebro são capazes de produzir e liberar neurotransmissores, substâncias químicas que transmitem sinais entre eles. Alguns, como a serotonina e a dopamina, desempenham papéis importantes tanto no funcionamento do intestino quanto no cérebro. Esses neurotransmissores podem influenciar o humor, a regulação do apetite e outras funções relacionadas ao bem-estar.
  4. Sistema Endócrino: o intestino também produz hormonas que desempenham um papel na regulação do apetite e do metabolismo.
  5. Microbioma Intestinal: a comunidade de microorganismos que habitam o intestino tem um papel fundamental nesta comunicação. O microbioma produz moléculas que transmitem informação ao nosso cérebro influenciando – de forma direta – a nossa saúde e bem-estar.

Essas diferentes formas de comunicação permitem que o cérebro e o intestino influenciem e sejam influenciados mutuamente. Alterações no intestino podem afetar o humor, o comportamento e a função cognitiva e vice-versa: o nosso emocional e mental também afeta a função gastrointestinal. Assim sendo, a compreensão dessa comunicação complexa é fundamental para promover a saúde e o bem-estar em ambos os sistemas.

MICROBIOMA INTESTINAL

O microbioma intestinal é composto por trilhões de microorganismos que têm a capacidade de produzir substâncias químicas. Este é um componente vital dessa conexão. Quando essas substâncias químicas são liberadas pelo microbioma, elas podem viajar pelo corpo, incluindo a corrente sanguínea, e chegar ao cérebro. Lá, elas interagem com os neurônios e as células cerebrais. Através desta, o microbioma intestinal pode influenciar o humor, o comportamento, a cognição e até mesmo a ocorrência de doenças neurológicas.

Além disso, o microbioma intestinal também pode afetar o sistema imunitário. Quando ocorrem inflamações ou desequilíbrios no intestino, isso pode ativar uma resposta, resultando na liberação de moléculas inflamatórias. Essas moléculas inflamatórias também podem afetar o cérebro e desempenhar um papel na regulação do humor e da função cerebral.

A Influência Recíproca entre o Cérebro e o Intestino

A relação entre o cérebro e o intestino é bidirecional, o que significa que o estado de um afeta o outro de forma significativa. Por exemplo, o stresse e a ansiedade podem desencadear alterações no intestino, levando a sintomas digestivos.

Da mesma forma, problemas intestinais, como o desequilíbrio do microbioma ou inflamação intestinal, podem enviar sinais ao cérebro, levando a alterações no humor, no sono e na função cognitiva.

O mundo dos sentimentos está totalmente ligado ao intestino.

António Damásio

Percebemos, assim, a importância que esta influência de “dois sentidos” tem para o nosso bem-estar no momento (o nosso humor, o nosso equilíbrio mental e emocional) – assim como para a nossa saúde no geral ou a longo prazo. Compreender a ligação entre o cérebro e o intestino é, assim, essencial – uma vez que ao cuidarmos do intestino e do seu microbioma, podemos apoiar a função cerebral e melhorar diversos aspectos de nossa vida.

Mais uma vez, vemos que há pilares da nossa vida que são fundamentais para o nosso bem-estar e equilíbrio geral. Neste caso, também a forma como nascemos (parto natural ou cesariana) e nos alimentamos nos nossos primeiros meses de vida (com ou sem mama, açúcares e sal), o nosso estilo de vida atual, os nossos hábitos alimentares, a forma como nos medicamos (o uso de antibiótico) e a forma como nos exercitamos