Desde muito cedo sinto uma forte conexão com a natureza. 

Cresci no Algarve, nas montanhas de São Brás, portanto desde criança que tenho contacto íntimo com a natureza. Uma criança e adolescente feliz, onde a dança estava muito presente, praticava cerca de 10h por semana, era algo que adorava e fazia parte de mim, cheguei a competir em vários países do mundo. Ao ponto de todos aqueles que estavam à minha volta, achavam que eventualmente seguisse uma área relacionada com as artes. 

No entanto, aos 16 anos, o meu mundo desabou. Pelo menos, foi assim que me senti com aquela idade. Fui diagnosticada com uma condição autoimune, Tiróidite de Hashimoto

A tiróidite de Hashimoto é uma condição em que o sistema imunitário ataca a tiróide causando inflamação e danos à glândula deste órgão. No meu caso, tenho hipotiroidismo, a tiróidite de Hashimoto mais comum, onde a tiróide não produz hormonas suficientes para manter o metabolismo a funcionar bem. Os sintomas são fadiga, ganho de peso, pele seca, unhas e cabelo quebradiços, depressão entre outras sensibilidades. Com aquela idade, a única coisa que pensava era “o meu corpo está a atacar-se a si próprio”. Não conseguia entender a razão pela qual o meu corpo se tornava alvo de si próprio. 

Os primeiros anos foram de resistência, uma não aceitação desta manifestação no meu corpo jovem, e que me acompanharia para a vida. A minha realidade mudou. Deixei de praticar dança, o desporto tornou-se impossível devido a cansaço extremo, a minha capacidade de foco e estudar diminuiu o que afetou os meus estudos – estava na altura dos exames nacionais e tive de deixar para o ano seguinte por, simplesmente, não ter capacidade mental e emocional para lidar com a  pressão dos exames. 

A medicação diária tornou-se parte da minha rotina, o que antes era normal, agora precisava de ser mantido de forma “artificial”. A sensação de falta de controlo sobre o meu próprio corpo levou-me a momentos de profunda frustração. O cansaço extremo, a “brain fog” e as oscilações de humor tornaram-se desafios diários. Senti-me perdida, sem reconhecer a Rémy que antes foi.

Ao longo destes 10 anos, tenho vivido vários processos. Vivi momentos muito baixos, receitaram-me antidepressivos e ansiolíticos para lidar com a carga emocional. O impacto da inflamação no meu corpo levou ao uso de corticoides para tratar outros sintomas que se manifestaram, como a hipersensibilidade à luz, biópsias à pele para perceber se tinha outra condição autoimune – lúpus, enfim.  Apesar de tudo, esta jornada trouxe vários aprendizados, pelas quais hoje consigo dizer que estou grata. 

Comecei a perceber que não era a doença que determinava a minha vida, mas a forma como eu escolhia relacionar-me com ela. Com o tempo, percebi que lutar contra o meu próprio corpo só aumentava o meu sofrimento e tinha de mudar de perspetiva – em vez de ver o meu corpo como um inimigo, vê-lo como um organismo que está em busca de um novo equilíbrio, em vez de rejeitar ou sentir-me prisioneira de uma condição, aprender a escutar os sinais do meu corpo e a respeitar os seus limites. 

Fiz mudanças no meu estilo de vida, na minha gestão de stress, na forma como me relacionava com a comida, com o meu corpo, e trazer práticas holísticas para a minha vida. 

Comecei a praticar yoga e meditação – não sou perfeita e não pratico todos os dias, mas sei o bem que faz e quando sinto que estou a entrar num loop menos bom. O yoga entrou na minha vida quando mudei-me para Lisboa. Como pratiquei dança, o yoga foi o “next big thing” para mim, ao ponto de querer tirar o YTT (yoga teacher training) – mas, depois, veio a pandemia, e não aconteceu. Mas vou fazer formação de yoga agora em Abril! 

Enquanto estudava no IIN (Institute of Integrative Nutrition) cruzei-me com a frase “food beyond the plate”. Isto diz-nos que a nutrição vai além do prato e que é também um reflexo do nosso estilo de vida, do ambiente em que vivemos, das nossas relações… entrelaçando o nosso bem-estar emocional, social e espiritual. Relativamente à comida, comecei a perceber quais os alimentos que, para a minha condição, causavam mais inflamação, que na verdade acaba por ser para grande parte da população, o glúten e produtos lácteos e derivados. Aqui também não sou perfeita, adoro um pãozinho com queijo prensado e galão pela manhã, mas em moderação. 

Não foi um processo linear, tive recaídas mas ao longo do tempo comecei a olhar para a minha condição como um mestre

Aprendi, e ainda é um exercício mental que está presente, que a cura não significa a ausência de sintomas mas sim viver em harmonia com o meu corpo. E acima de tudo, que mesmo nos momentos mais desafiantes, há sempre espaço para expansão e reconexão com o corpo. 

Foi neste processo que descobri o mundo do herbalismo, uma porta para uma nova forma de me relacionar com o meu corpo e quem sou. As plantas, com a sua sabedoria ancestral, tornaram-se aliadas no meu caminho. Procurei as plantas que apoiam a tiróide, o sistema nervoso e digestivo. No fundo, percebi que a natureza oferece um suporte profundo para quem aprende a escutá-la. 

Quem abriu as portas para este mundo foi a Sarah Wu, uma herbalista clínica. Seguia o trabalho dela há uns anos e, quando vi que ela vinha a Portugal fazer um curso de permacultura, inscrevi-me logo. O curso tinha uma componente de herbalismo e medicine making. Não quis perder esta oportunidade de cruzar-me com ela (fangirling). Na altura estava a tirar um curso de fitoterapia, na Escola de Medicina Chinesa, em Lisboa, mas estava insatisfeita. Era muita teoria, muita informação sobre medicina chinesa – e não era bem aquilo que estava à procura. Em conversa com a Sarah, ela recomendou-me vários professores e escolas americanas para tirar formações de herbalismo. Foi aí que aprofundei os estudos das plantas. 

O herbalismo é a prática de utilizarmos plantas e/ou partes de plantas, como as raízes, folhas, flores, casca ou sementes, para fins medicinais, seja para prevenir ou tratar desequilíbrios do nosso corpo. Cada planta, cada árvore, carregam em si uma energia única, uma história, e ao trabalharmos com elas, somos convidados a ouvir os seus ensinamentos.

Estudei e formei-me em Biologia. Não foi a minha primeira escolha, o meu primeiro ano de faculdade foi no curso de Engenharia Alimentar. Engraçado é pensar que só entrei naquela faculdade por causa do meu ex-namorado. Na altura, queria estar perto dele, dos nossos amigos, e fui. Fiz o primeiro ano, mas ao ver as cadeiras do 2º e 3º ano, percebi que não era bem aquilo que queria. Aproveitei o facto do primeiro ano ser tronco comum para todos os cursos, e troquei para Biologia. (ao escrever isto percebo que tenho pais maravilhosos que sempre me acompanharam nas minhas decisões e apoiaram-me em tudo, confiando em mim e nas minhas decisões). Apesar desta formação, foi quando mergulhei neste mundo do herbalismo que comecei a compreender melhor o ritmo da natureza, passei a observar como certas plantas se alinham com diferentes fases da vida, da lua, das estações e das nossas emoções. 

Muitas vezes, tiramos formações universitárias para termos algo mais “sério”. Sabia que queria estar envolvida neste mundo natural, das plantas, mas teria de ter uma licenciatura ou mestrado para tornar o meu trabalho mais credível ou ser mais valorizada. Acabei por tirar apenas a licenciatura porque não havia nenhum mestrado que fosse “Plantas Medicinais”. 

O QUE O HERBALISMO TROUXE PARA A MINHA VIDA

Para além de alternativas não invasivas, trouxe-me uma sensação de pertença a algo superior a mim. O herbalismo deixou de ser apenas um meio para aliviar sintomas, passando a ser uma prática de autocuidado e reconexão. Ensinou-me que a cura é um processo contínuo e que devemos olhar para nós da mesma forma que olhamos para as plantas: com paciência, respeito e amor. Reconheço que existem ciclos, onde temos momentos de expansão e de recolhimento, de força e de vulnerabilidade. E está tudo certo, é a forma como a natureza funciona.

Acredito profundamente que a nossa falta de conexão com a natureza compromete a nossa saúde, especialmente no que diz respeito ao microbioma, tanto do nosso corpo quanto ao do ambiente que nos rodeia. A vida moderna e o estilo de vida que a acompanha afasta-nos dela, e isso tem um impacto direto na nossa saúde física, mental e emocional. A forma como tratamos o nosso corpo reflete a maneira como cuidamos da nossa casa, o planeta Terra, e os problemas de saúde que enfrentamos hoje estão, a meu ver, profundamente ligados ao colapso ecológico.

O microbioma do solo desempenha um papel crucial na qualidade dos alimentos e como tal, na diversidade do nosso microbioma intestinal. A agricultura industrial, o uso de agroquímicos e  monoculturas diminuíram muito a biodiversidade do solo, reduzindo o conteúdo nutricional dos alimentos que consumimos.

A perda da diversidade microbiana no solo reflete-se na diminuição da diversidade do nosso próprio microbioma intestinal e esse desequilíbrio compromete a nossa imunidade, levando a um aumento de doenças autoimunes, alergias e inflamações crónicas. Situações de ansiedade, depressão e ataques de pânico também estão associados à falta de contato com a natureza. Portanto, vemos que a desconexão com a Terra cria um ciclo de stress e inflamação.

Para que haja cura a nível físico, é essencial restabelecer a nossa relação com a natureza. Somos uma extensão dos ecossistemas que sustentam a vida, e quando nos desligamos ou pouco interessamos pelo mundo natural do qual fazemos parte, afastamos-nos dos processos que nos mantém saudáveis. Assim como as florestas, os oceanos e solos dependem de um equilíbrio  a nível de microrganismos, nutrientes e ciclos, o nosso corpo segue os mesmos princípios.

O microbioma intestinal, composto por trilhões de bactérias, fungos e vírus, é o nosso ecossistema interno. Quando diversificado e equilibrado, promove a saúde. Quando consumimos alimentos processados, estamos expostos a toxinas ambientais e usamos antibióticos prejudicamos esse equilíbrio, e sabemos as consequências que isso traz. A esterilização do nosso ambiente tornou-nos vulneráveis, ao contrário de nos permitir coexistir com microrganismos benéficos. A inflamação crônica, portanto, pode ser vista como um sintoma dessa desconexão com a natureza. 

Durante milhares de anos, os seres humanos estavam e trabalhavam em harmonia com a natureza e com as plantas. E sou da opinião que o herbalismo é um caminho para restabelecer essa conexão. Tantas são as culturas que têm tradições de medicina à base de plantas, como a Ayurveda, a Medicina Tradicional Chinesa e os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas.

A cura não se resume à superação da doença, mas sim ao despertar da nossa relação com o mundo natural. Ao tocar, explorar e colocar em prática a sabedoria das plantas, lembramos que a natureza não é algo externo a nós, mas sim parte essencial do que somos.

Assumir este caminho junto das plantas tem sido uma das experiências mais enriquecedoras. Quando trabalho com as plantas, sinto o meu corpo a alinhar-se com os ritmos da terra. Saio à rua e as árvores lembram-me da importância da firmeza, mas também ser flexível. A água flui, e lembro-me de que a cura não se trata de força mas sim de permitir a render aos ciclos naturais do meu corpo e do mundo à minha volta.

Há dias onde os meus sintomas fazem-me sentir desenraizada, mas as plantas lembram-me de que nada está errado comigo. Coloco as mãos na terra e sinto uma verdade profunda, “é aqui que pertenço”. O meu corpo, tal como a terra, tem a capacidade de se regenerar, de encontrar um novo equilíbrio.

As plantas tornaram-se algo mais do que medicina, são professoras, guias… Cada planta com que trabalho aprofunda a minha relação com a terra e, por sua vez, comigo mesma. A cura já não é algo que eu corro atrás, é algo que eu vivo. Está no ritual de fazer chá, nos momentos silenciosos da colheita, na forma como inspiro o cheiro da terra molhada depois da chuva. Quanto mais escuto as plantas, mais elas me ensinam – não apenas sobre o meu corpo, mas sobre a paciência, a sabedoria e a resiliência que já existem dentro de mim. Esta jornada trouxe-me de volta a casa, e sei que, enquanto percorro este caminho, estarei sempre amparada.

Rémy Rebecca Verganista


Remy Verganista
Bióloga e Herbalista

Nasceu e cresceu no Algarve, onde a sua forte ligação com a natureza foi semeada.
Formou-se em Biologia, na Universidade de Lisboa, onde explorou as relações entre ecossistemas, plantas e saúde humana. Posteriormente, completou diversos cursos, desde permacultura ao herbalismo, aprofundando sempre a sua relação e apreciação pelo mundo natural. Acredita que a reconexão com a terra e a sua sabedoria ancestral, nutre tanto a saúde individual como a saúde global.