Sempre fui uma criança de afetos e hoje, como mulher, preciso desse alimento para o meu coração. Por outro lado, e é curioso até, habituei-me de tal forma a estar sozinha e a viver distante dos “meus” que, muitas das vezes, só me lembro da falta que eles me fazem quando estamos juntos.
Ganhei o hábito de estar sem, o que pode ser perigoso, se não estiver atenta aos sinais.
Com o passar dos anos, reflito mais, silencio o que me rodeia para me escutar. E é aí que percebo que grande parte da ansiedade, irritação e melancolia que por vezes sentia — e ainda sinto — vem da saudade escondida dos meus pais. É por isso que agora a saudade já não se esconde. Agora já aprendi — porque senti na pele — que os laços têm de ser alimentados com a nossa presença.
É em Santa Maria de Lamas que estão as minhas raízes, e preciso de ir às minhas raízes mais vezes. Voltar a casa mais vezes, para que a Lola e o Vítor estejam a par das minhas rotinas diárias, para termos mais conversas de circunstância, para rirmos mais sobre o nosso dia a dia.
Estou a trabalhar nisso, e sou muito mais feliz.
É por isso que as épocas festivas como o Natal e a Páscoa são tão importantes para mim.
Hoje é dia de Páscoa. Hoje seria o dia em que todos nos juntávamos em casa do Avô Ramiro e da Avó Cecília, que fez anos na sexta feira, e esperávamos pela chegada do Compasso Pascal. Abríamos a porta, e, depois da benção, beijávamos a Cruz de Cristo. Depois da visita era hora de almoço, que durava o dia todo, com todos à mesa a fazer o que mais adoramos: comer com satisfação, conversar, rir e amar.
Ser feliz é tão simples, não é!? Há coisas tão simples e que, sem que percebamos, são tão valiosas.
Só damos o real valor às coisas quando não as temos, ou quando não as podemos ter na altura que queremos. Como acontece hoje.
Não vejo a minha família há algum tempo, muito antes de haver Estado de Emergência. E a realidade é que este COVID-19 desafia as minhas emoções todos os dias. Cada vez mais, à medida que os dias vão passando. E é exatamente neste ponto que está o meu (e o teu) desafio: continuar a manter-me serena e positiva no isolamento.
Sei, e todos devemos saber, que é para o bem comum, e isso dá-me mais força. Mas não deixa de ser isolamento.
Quem já sabe — ou sempre soube — estar sozinho, está bem. Não está num estado de entusiasmo e de felicidade, mas está tranquilo e vê, também, o lado bom deste isolamento que somos forçados a cumprir. Quem sabe estar sozinho tem, seguramente, laços fortes com os outros. Quem sabe estar sozinho já aprendeu a gostar de apreciar o silêncio, de escutar o que pensa sobre si próprio, e sente que está em equilíbrio com o seu eu interior.
Se tu ainda não sabes ou ainda não entendeste a importância de estar sozinho, então és bem capaz de te sentires só porque, na verdade, estás sem estímulos de fora, estás por tua conta.
Para mim, o clique para saber aprender a estar sozinha passou por aprender a deixar passar aquela a que chamo “a hora do lobo”. Para te explicar melhor esta expressão, tenho de recuar 7 anos.
Vivi uma relação de cinco anos e meio onde fui muito feliz. Mas, quando o amor e a paixão acabam, temos de ter em mente que o nosso propósito nesta vida é só um: aproveitá-la ao máximo, na sua verdadeira essência e plenitude.
Isso já não estava a acontecer e, por isso, tivemos a coragem de sair da nossa zona de conforto, de deixar a rotina de apego que tínhamos um com o outro. E seguimos a nossa jornada. Cada um com o seu caminho.
Lembra-te sempre disto: partilhar só faz sentido quando estás profundamente alinhado contigo. Ou seja, quando sabes quem és, gostas de ti e sabes para onde queres ir.
Se hoje digo, com toda a certeza, que desde que voltei a estar sozinha, tive a mais incrível experiência de sempre do ponto de vista do desenvolvimento pessoal (um dia explico o porquê), também sou a primeira a dizer que, para chegar onde estou agora, tive de saber lidar com esta nova etapa e aprender apreciar a famosa “hora do lobo”.
Quando quebramos um laço, há sempre a fase em que estamos rodeados dos nossos amigos e familiares, que estão lá para nós todos os dias. As nossas pessoas, que, se for preciso, até mudam as suas rotinas para estarem mais tempo connosco, com medo que fiquemos sozinhos. Jantam e almoçam ao nosso lado, passam um fim de semana inteiro em nossa casa e não há limite para o tempo ao telefone. O importante é sentirmos que temos colo.
Mas, depois entra a fase em que temos de ser o nosso próprio colo. E isso passa pela nossa atitude, porque somos nós que fazemos acontecer.
Recordo-me de um dia, talvez um mês depois da minha separação, ter chegado a casa e ter desatado a chorar sem razão aparente. Tinha chegado do trabalho e, na verdade, não me apetecia sair de casa para estar com alguém. Queria mesmo estar em casa, mas não estava a suportar a ideia de estar ali sozinha. Não sabia estar sozinha naquele espaço que nunca foi meu, foi nosso, um espaço onde todas as rotinas que tinha eram feitas a dois.
Naquele dia, sentei-me num dos bancos da cozinha e chorei cheia de vontade e agonia. Senti um sufoco, um nó na garganta que parece que nunca vai passar. Sabes aquele momento em que já não tens mais lágrimas para deitar cá para fora, mas ainda assim, continuas a chorar? Foi exatamente nesse momento que tive vontade de pegar no telefone e pedir colo. A ele, talvez, ou a um amigo ou familiar. Mas não o fiz porque, na verdade, só estava perdida porque não ter uma rotina. Tudo era novo naquele momento.
Sempre ouvi dizer: “primeiro estranha-se e depois entranha-se”. É normal estranhar e é perfeitamente normal doer e ter medo. Mas é também nessas alturas que tenho de pensar no porquê de ter feito a escolha de estar sozinha.
Afinal, já não sabia estar sozinha, mas pensei para mim mesma “vou ultrapassar esta ‘hora do lobo’”, até porque, depois disso, vem o discernimento, a clareza e predisposição para me reencontrar e perceber onde são as minhas zonas de conforto. Minhas, não nossas.
E consegui.
A partir dali foi sempre a somar.
Ganhei novas rotinas que hoje são a base para ultrapassar momentos desafiantes, tristes e traiçoeiros, como aqueles que viemos hoje, por exemplo.
Comunicar e estar com os outros, faz parte da nossa natureza, mas o excesso também pode sufocar. Para a minha vida ser feliz, tenho de comunicar, como bem sabem, mas a necessidade que tenho de estar com os meus pensamentos é enorme. Porque é aí que me questiono e me percebo.
Gosto, verdadeiramente, de estar sozinha, e gosto verdadeiramente de viver em partilha, em comunidade. Sou feliz a 100% quando sinto que as minhas atitudes contribuem para um mundo melhor, mas para dar e estar com os outros, é preciso gostarmos do que temos cá dentro. Entendes?
Numa altura em que estamos privados de estar com quem mais gostamos, de estarmos na rua a passear livremente, de irmos ao cinema, a um concerto, de fazermos uma viagem inspiradora, de jantarmos num restaurante que adoramos, de irmos à praia e não darmos conta do tempo passar, entre tantos outros momentos que, seguramente, também estás a recordar, é fundamental sentirmo-nos ativos, mas igualmente úteis em tempo de quarentena.
Para lá da importância que dou à atividade física, à alimentação natural e nutritiva de que já aqui falei tantas vezes, e às chamadas por FaceTime que faço aos pais e amigos, umas das coisas que tenho necessidade é tornar-me útil e produtiva, para não me sentir só e não entrar em melancolia.
Ajudar a comunidade, com o meu trabalho e valores, aproveitar o tempo para desenvolver ideias de projetos e, não menos importante, viver o presente, sem estar constantemente focada no futuro. É importante garantir aquilo que conseguimos controlar e, quanto ao resto, é aguardar e saber dar tempo ao tempo. Porque é o tempo que nos vai curar.
Acredito que é por tudo isto que consigo aguentar esta distância daqueles que amo com tanta serenidade e leveza. São estes detalhes que me fazem não sentir só.
As saudades apertam e há momentos em que não me apetece dizer “vai tudo ficar bem”, e então?!
Também me permito a esses sentimentos e acredito que são importantes para valorizarmos os outros. Não é altura de sermos felizes. Já me mentalizei e aceitei. É, sim, altura, simplesmente, de estarmos bem e serenos. Porque só assim nos mantemos positivos.
Para isso, só é preciso sabermos estar sozinhos.
Desliga o WhatsApp a partir de uma certa hora.
Não estejas sempre a ver notícias.
Desconecta-te das redes.
Não estejas horas e horas ao telefone.
Não ouças musica a toda a hora.
Reserva todos os dias um momento contigo. Só contigo. Qual? Isso agora é contigo. Todos temos o nosso. Investe o teu tempo a descobrir, agora que o tens.
Faz sentido?
Um beijo nos vossos corações.
A Isabel Silva nasceu a 8 de maio de 1986 e é natural de Santa Maria de Lamas. Licenciou-se em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa, e fez uma pós-graduação em Cinema e Televisão pela Universidade Católica. Fez um curso de Rádio e Televisão no Cenjor e foi o seu trabalho como jornalista e produtora de conteúdos na Panavídeo que a levou para a televisão, em 2011. Durante 10 anos apresentou programas de entretenimento e, de forma intuitiva e natural, percebeu que aquilo que a move é a criação de conteúdos que inspirem, motivem e levem os outros a agir. Tem uma paixão enorme por comunicar e tudo o que comunica está intimamente ligado a uma vida natural carregada de energia, alegria e simplicidade.
É autora dos livros “O Meu Plano do Bem”, “A Comida que me Faz Brilhar”, “Eu sei como ser Feliz” e da coleção de livros infantis “Vamos fazer o Bem”.
Descobriu a paixão pela corrida em 2015, em particular pela distância da Maratona – 42.195m. Tem o desejo de completar a “World Marathon Majors” que inclui as 6 maiores Maratonas do Mundo. Já correu Londres, Boston, Nova Iorque e Berlim.
A 14 de Dezembro de 2016 lançou o blogue Iam Isabel e que hoje, numa versão mais madura, mas igualmente alegre e enérgica, é o canal DoBem.