Acreditamos que a saúde começa na escuta do corpo — e, no caso das mulheres, isso inclui reconhecer que o nosso metabolismo hormonal tem uma lógica própria, nem sempre respeitada pelas tendências de saúde ou performance que circulam por aí.
Foi por isso que pedimos esta crónica à nutricionista funcional Priscila Riciardi, especialista em metabolismo hormonal feminino e fundadora da Women Academy®. A Priscila passou pessoalmente por um quadro de amenorreia hipotalâmica e, desde então, dedica-se a educar mulheres (e profissionais de saúde) sobre os sinais que o corpo dá quando já não consegue mais seguir num modo de exigência, treino, jejum e alimentação “limpa”.
Este texto é um alerta e, acima de tudo, um convite: respeitar o teu corpo não é abdicar da saúde — é finalmente ouvi-la.
A crónica está escrita em português do Brasil – foi mantida na forma original por respeito à voz da autora e à autenticidade da sua partilha.
A geração saúde está aí, e se você está me lendo aqui na Do Bem, provavelmente é parte dela.
Treinamos, nos alimentamos bem, usamos suplementos. Queremos saber das últimas novidades sobre performance, longevidade, desinflamação e tudo aquilo que pode otimizar nosso potencial humano.
Mas, para nós mulheres, há um ponto de atenção:
ser “saudável demais” pode desequilibrar nosso metabolismo hormonal feminino.
A culpa não é sua. Na verdade, estamos imersas em algo muito maior, chamado sociedade, que até então negligenciava a forma como o corpo feminino funciona.
Estudos em mulheres passaram a ser obrigatórios somente em 1986 nos EUA. E provavelmente muitos dos protocolos de saúde que você segue hoje foram testados somente em homens e não em mulheres.
Mas temos uma vantagem. Nosso ciclo menstrual.
Sim. Por mais que ele te traga incômodos como cólicas, sintomas pré menstruais e alterações de humor, ele é um grande guia de saúde.Todos estes sintomas não são meros incômodos inerentes do ser mulher, mas são uma forma do corpo te contar que algo está errado – mesmo que você esteja fazendo tudo certo.
O último estágio deste desequilíbrio é parar de menstruar – um quadro chamado de amenorréia hipotalâmica.
Antes disso, você pode começar com sintomas ao longo de anos, como:
- Piora de sintomas pré menstruais (acne, cansaço, insônia, flutuações de humor)
- Alterações no ciclo – ele começa a ficar curto demais como 21 dias ou menos e depois longo demais, como mais que 35 dias)
- Alterações no fluxo menstrual (começa a ficar muito intenso – acima de 80ml ou muito escasso – abaixo de 30ml).
A amenorréia hipotalâmica acontece quando o cérebro literalmente bloqueia a produção de hormônios. E ele faz isso porque se sente ameaçado – desnutrido e cansado.
O combo que gera essa situação é geralmente um longo período de estresse no corpo causado por muito exercício e pouca comida. Mas antes que você me diga que isso não faz sentido pra você, deixa eu entrar em mais detalhes.

A maioria das mulheres que gostam de treinar e fazer isso mais de 4 vezes por semana não se consideram atletas, mas na verdade são.
Elas precisam ir além de simplesmente optar por uma alimentação saudável.
Precisam garantir que estão ingerindo todos os macro e micronutrientes necessários e reconhecer sua alta demanda energética.
Essas mulheres precisam ter um treino planejado com momento de intensidade e de restauração.
O gasto médio que uma pessoa sedentária tem por dia é de 1200 kcal. Isso porque as funções vitais do nosso corpo são as que mais demandam energia. Mulheres que treinam com frequência ou intensidade, facilmente chegam a uma demanda energética de 1700-2000kcal, às vezes até mais.
Mas se você tem uma alimentação saudável, e come muitas fibras, frutas e vegetais – você provavelmente se sacia antes de comer tudo o que precisa. Veja só este exemplo:
- Pequeno-almoço: 2 ovos + 2 fatia de pão semi integral e clementina.
- Almoço: 100g de peixe com 150g de batata e 100g de brócolis.
- Lanche: 150ml de iogurte natural integral com frutas vermelhas e uma colher de chá de mel.
- Jantar: sopa de carne com batatas (80g de carne com 150g de batata e 50g de cenoura).
Temos aqui um dia com aproximadamente 1200 calorias. Se você come isso ou menos que isso e treina bem pelo menos 4x na semana, provavelmente está comendo pouco, muito pouco.
Low carb, jejum e treino em jejum – um risco para o metabolismo feminino
O jejum intermitente e a low carb estão na moda. Muita atenção e cuidado com essas estratégias.
O jejum intermitente é uma estratégia interessante sim para várias questões como redução da inflamação, intestino, longevidade. Existem várias formas de fazer jejum. Nós mulheres, precisamos ajustar o jejum ao nosso momento hormonal – tanto do ciclo menstrual quanto o momento de vida.

Mulheres que têm alterações do cortisol não vão se beneficiar do jejum de mais de 12h – diria que boa parte de nós estamos nesse contexto – muitas demandas, eventuais restrições de sono com filhos, dificuldade em descansar e autocobrança são alguns dos que mais vejo.
Em alguns momentos do ciclo, como no período pré menstrual, ou na ovulação, jejuns longos também não serão bem vindos.
Se sua rotina inclui treinos de alta intensidade ou longos, cuidado com estratégias de jejum. Ficar muito tempo sem comer, nessas condições, pode te deixar mais inflamada e deficiente do que realmente fazer bem.
A restrição de carboidrato é outro tema em voga. Sim, precisamos cuidar do excesso de açúcar e até de picos glicêmicos com alimentos saudáveis, mas não podemos ter medo de carboidrato.
Mulheres que treinam precisam de pelo menos 150g de carboidrato por dia.
Muitas restrições junto de uma rotina de treino agitada afetarão a atividade da nossa tireóide e nosso hipotálamo.
Não faça restrições de forma contínua e monitore seu consumo. Alguns sinais de que você está comendo menos do que precisa podem ser:
- Cansaço frequentes
- Vontade de dormir após o treino
- Queda do rendimento
- Acorda com fome durante a noite
- Mais sensível ao frio – Pés e mãos frios
- Queda de cabelo, pele sem viço
- Mais lesões ou fraturas
- Alterações digestivas
- Sintomas depressivos
- Alterações no ciclo menstrual
Como otimizar seu metabolismo feminino?
Agora que você entendeu o que pode estar fazendo de errado, vou te guiar por onde começar a mudar.
Este não é só um processo de mudança nutricional, mas um processo de reconexão com seu corpo feminino, seus ritmos e sua fisiologia. É um processo de aprender a se escutar. De acolher a importância do descanso, do se nutrir, colocando o corpo num modo de segurança e não de escassez.
- Comece entendendo suas necessidades nutricionais e a demanda calórica:
Atualmente temos aplicativos e ferramentas online que fazem um cálculo básico de demanda energética considerando seu peso, altura e nível de atividade física. - Depois, acompanhe suas refeições por alguns dias para saber quanto de fato está comendo.
- Faça refeições mais densas:
Troque vegetais crus por opções cozidas e de menor volume. Priorize refeições densas que incluir proteínas como carnes, ovos e laticínios, gorduras como frutos secos, tahine, abacate e não deixe de consumir fontes de carboidrato em todas as refeições como batatas, batata doce, arroz, quinoa, aveia, frutas. - Siga seu ciclo:
Aprenda a acompanhar seu ciclo e ajustar seus treinos e alimentação a ele.
No período da menstruação precisamos de uma alimentação mais nutritiva e podemos focar mais em treinos aeróbicos de leves a moderados. No período pré menstrual não é momento de restrições, mude o ritmo do treino e ajuste mais proteína e talvez até inclua uma refeição extra. Na fase folicular ou ovulatória você pode intensificar os treinos. - Aprenda a avaliar seu metabolismo e os sinais do seu corpo:
O corpo está nos dando sinais a todo momento, pela temperatura, pulso, sintomas ao longo do ciclo, qualidade da nossa energia e disposição, qualidade do sono, nossa fome ou vontade de comer coisas específicas, saúde dos cabelos, pele e unhas. Tudo isso pode ser interpretado e te guiar nas suas ações.
E principalmente, se pergunte, sempre que ver uma nova estratégia de saúde – isso está respeitando e considerando meu METABOLISMO FEMININO.
Se respeite e fique bem.

Priscila Riciardi
Líder do Women Academy®- um ambiente para mulheres conquistarem mais saúde, beleza e energia com um estilo de vida que potencializa o metabolismo feminino.
Mentora de Metabolismo Hormonal Feminino para profissionais de saúde.
Nutricionista funcional, brasileira, formada há 17 anos pela UFSC com passagem pela McGill University- Canadá. Depois de 3 pós graduações começou a estudar hormônios femininos por ter passado por um quadro de amenorréia hipotalâmica.
Hoje deseja que cada vez mais mulheres se apropriem do seu corpo e de seu metabolismo e manifestem toda a potência que possuem!
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