É o que estamos a fazer enquanto Humanidade com os recursos (finitos) do Planeta – a “despensa” comum. Em 2023, a humanidade esgotou o orçamento da natureza para este ano a 2 de agosto, marcando o Dia da Sobrecarga da Terra (“Earth Overshoot Day”). Isso significa que, durante o resto do ano, estamos em défice ecológico, exaurindo as reservas de recursos e acumulando dióxido de carbono na atmosfera, ou seja, uma situação de “bancarrota planetária”.
Como é calculada esta data?
O Dia da Sobrecarga da Terra é calculado, de acordo com a Global Footprint Network, dividindo a biocapacidade do planeta (a quantidade de recursos ecológicos que a Terra é capaz de gerar naquele ano) pela Pegada Ecológica da humanidade (a procura da humanidade para esse ano), e multiplicando por 365, o número de dias num ano:
(Biocapacidade do Planeta / Pegada Ecológica da Humanidade) x 365 = Dia da Sobrecarga da Terra
Nas últimas décadas, a data de sobrecarga tem vindo a progredir, acontecendo cada vez mais cedo no calendário todos os anos.
Neste momento, o nosso estilo de vida, a forma como consumimos, exige 1,7 planetas. Estamos a viver como se houvesse outro planeta. E, spoiler, não existe planeta B.
Como podemos adiar esta data?
#MoveTheDate
Em primeiro lugar, é importante relembrar que o maior potencial para um impacto em grande escala reside nos governos e nas empresas, ao alinharem as suas políticas e estratégias com a realidade de um planeta finito.
A título individual, importa perguntar e refletir sobre como podemos assegurar vidas prósperas dentro dos limites do nosso planeta, como podemos investir na abundância e na segurança dos recursos globais e tornarmo-nos menos dependentes de recursos cada vez mais escassos.
Existem várias soluções, várias possibilidades, vários caminhos de impacto. A plataforma Earth Overshoot Day agrupou-as em cinco áreas principais, das quais destaco três:
Vou explicar.
ALIMENTAÇÃO
Como metade da biocapacidade da Terra é usada para nos alimentar, a comida é uma alavanca poderosa para #MoveTheDate. Então, o que podemos fazer?
Programa das Nações Unidas para o Ambiente (2021). Food Waste Index Report. 2021. Nairobi.Se a perda de alimentos e o desperdício alimentar fossem um país, este seria a terceira maior fonte de emissões de gases com efeito de estufa. O desperdício alimentar também sobrecarrega os sistemas de gestão de resíduos e amplia a insegurança alimentar, tornando-o um importante contribuinte para as três crises planetárias: a mudança climática, a perda da natureza e da biodiversidade e a poluição e resíduos.
O que podemos fazer para reverter a realidade do desperdício alimentar?
No planeamento e nas compras
Na preparação e confeção
No consumo
PROJETOS E LIVROS QUE TE AJUDAM A COMBATER O DESPERDÍCIO ALIMENTAR:
– Too Good to Go: Aplicação que liga restaurantes, supermercados, superfícies comerciais ao consumidor e permite que seja vendido o excedente alimentar, reduzindo o desperdício e otimizando os recursos, sendo os produtos vendidos a preços mais baixos.
– Phenix: Aplicação onde são aproveitados os excedentes de restaurantes, pastelarias, mercearias e cafés, mas também lojas, como floristas. Pratica preços bastante mais reduzidos, com descontos até 50%.
– Olio: Nesta aplicação pode partilhar com vizinhos alimentos ou outros bens, em vez de os deitar fora. No caso de ter comida em casa que não vai conseguir consumir antes de se estragar, pode colocar na aplicação assim como ver se alguém tem comida para doar que lhe interesse.
– Reefood: Talvez um dos projetos mais antigos e mais conhecidos, a Refood recolhe excedentes alimentares em restaurantes, pastelarias, cantinas e supermercados. Os alimentos são depois entregues por voluntários a famílias carenciadas.
– Fruta Feia: A cooperativa Fruta Feia resulta de uma iniciativa para aproveitar fruta e vegetais que, de outra forma seriam desperdiçadas, por não terem o aspeto perfeito ou o calibre necessário.
– GoodAfter: Supermercado online dedicado à venda de produtos que se encontram perto do fim do prazo de consumo preferencial, ou mesmo ultrapassado esse prazo, estando ainda aptos para o consumo. Para além de contribuir para evitar o desperdício alimentar, tem descontos até 70%.
– Equal Food: Startup que faz parcerias com agricultores de várias regiões do país, e também de Espanha, que fornecem excedentes imperfeitos mas, em perfeitas condições de consumo, que não são vendidos nos canais habituais. Vende cabazes de legumes e fruta até 40% mais baratos.
– livro Desperdício Zero à Mesa com o Pingo Doce
– livro Saudável e Sem Desperdício, Sara Oliveira
– livro Da Raiz à Rama, Sofia Magalhães
ENERGIA
Reduzir a condução e deslocação em veículos movidos a combustíveis fósseis; sempre que possível, usar transportes públicos, usar sistema de boleias ou carros partilhados, ir de bicicleta ou a pé.
PLANETA
A qualidade de vida da humanidade – e a sua sobrevivência – depende da saúde dos recursos biológicos do nosso planeta, do capital natural.
O que podemos fazer para que ecossistemas naturais como os oceanos e as florestas, que são indispensáveis para manter o nosso planeta habitável, continuem a desempenhar o seu papel de regulação do clima e a absorver as emissões de carbono?
Apoiar projetos que contribuem para a conservação da biodiversidade e regeneração dos ecossistemas (WWF; Ocean’s Alive; Verde; Reflorestar).
Privilegiar e incentivar modos de produção agrícola não intensivos, que nos permitam continuar a alimentar uma população crescente (9,7 mil milhões de pessoas em 2050, estimativa das Nações Unidas), promovendo formas de agricultura que mantenham a produtividade do solo, os níveis das águas subterrâneas, os ciclos da água, evitando ao mesmo tempo a contaminação.
Votar no Planeta nas eleições, pressionar governos, decisores políticos, empresas, exigir mudança e responsabilidade; denunciar situações que coloquem em causa e destruam o capital natural.
Inspiração e ativismo
Seis jovens portugueses, Cláudia Agostinho, Martim Agostinho, Mariana Agostinho, Catarina Mota, Sofia Oliveira e André Oliveira, acusam 32 países de inação climática, depois dos incêndios devastadores, em 2017, em Pedrógão Grande e Mação. O processo foi submetido em setembro de 2020, para que o Tribunal Europeu dos Direitos dos Direitos Humanos reconheça que alguns dos direitos previstos na Carta Europeia dos Direitos Humanos estão a ser violados por ineficiência do Estado em matéria de ação climática.
A par da dimensão intergeracional, patente neste último exemplo dos jovens que lutam por algo que deveria estar assegurado naturalmente pela geração anterior, gerir os recursos da Terra de forma responsável é também uma questão de justiça social e um imperativo moral: a parte mais pobre da população mundial – cerca de 3,5 mil milhões de pessoas – é responsável por apenas cerca de 10% do total das emissões globais atribuídas ao consumo individual, predominantemente nos países mais vulneráveis às alterações climáticas; enquanto cerca de 50% destas emissões podem ser atribuídas a 10% das pessoas mais ricas em todo o mundo, com uma pegada média de carbono 11 vezes maior que a metade mais pobre da população, e 60 vezes superior à dos 10% mais pobres (Oxfam, Extreme Carbon Inequality, Media Briefing 2015). Ou seja, os mais vulneráveis e os mais pobres são vítimas de uma destruição que não controlam nem provocaram, bem pelo contrário.
Não se trata (apenas) de reduzir a pegada ecológica global, mas de alterar a forma como, enquanto sociedade, extraímos e consumimos e descartamos em excesso, inaugurando práticas mais eficientes de gestão dos recursos (finitos) do Planeta, preservando e regenerando o capital natural.
Junta-te ao movimento partilha connosco quais os gestos que te fazem mais sentido ou os projetos que apoias e que estão a contribuir para #movethedate.
Fonte: https://www.overshootday.org/
Eunice Maia é a fundadora da “Maria Granel”, a primeira zero waste store e mercearia biológica 100% a granel em Portugal.
Autora dos livros “Desafio Zero – Guia prático de redução de desperdício dentro e fora de casa” e “Diz não ao desperdício com o Simão” (em co-autoria com a Betweien). Escreveu o prefácio da edição portuguesa do livro “Zero Waste Home”, de Bea Johnson, uma das suas maiores inspirações.
Vencedora do prémio nacional Terre de Femmes, da Fundação Yves Rocher, para a preservação da biodiversidade. Encara a sustentabilidade do planeta como uma missão de vida.
É uma ativista que luta pelo consumo consciente, pela redução de desperdício e por um estilo de vida low waste. Criou o “Programa Z(h)ero”, projeto educativo ambiental premiado de redução de desperdício em ambiente escolar e empresarial.