A inteligência emocional é um conceito cada vez mais presente nas nossas vidas, especialmente em tempos de stress constante, ansiedade e desafios diários. Embora possa parecer um termo moderno, como explica a psicóloga clínica Regina Ponces, é “mais do que uma competência profissional, sendo a capacidade de nos autorregularmos emocionalmente”. Mas o que significa, realmente, autorregular as emoções? E como podemos fazê-lo?

AS EMOÇÕES COMO FERRAMENTAS ESSENCIAIS

A psicóloga Regina Ponces especializou-se em inteligência emocional, em 2019, trazendo uma mais-valia à formação que já tinha em psicologia clínica. No início da nossa conversa, a especialista partilhou: “Parece um termo moderno, algo que se ouve falar agora ou que ‘está na moda’, a verdade é que nunca o ouvi na minha formação clínica. Falava-se pouco nas emoções.”

Talvez esteja na moda, porque o stress está sempre presente nas nossas vidas, com ele, ansiedade, preocupações e angústias. Perante isso, tem surgido a necessidade de aprender como fazer com que esses sentimentos nos afetem o menos possível.

A inteligência emocional, mais do que uma competência que podemos promover e melhorar, como habitualmente se fala no meio profissional e corporativo, ou até mesmo uma competência que faz parte das soft skills, quando nos candidatamos a um emprego, é a capacidade que temos de nos autorregular emocionalmenteE isto não se consegue sem uma forte relação entre a mente e o corpo, numa relação biunívoca, em que ambos se entreajudam.

E PORQUE TEMOS NÓS DE NOS CONSEGUIR AUTORREGULAR?

“Exatamente porque a nossa vida pessoal e profissional é cada vez mais desafiante, e tantas vezes frustrante, é que se torna imprescindível essa capacidade de regularmos as nossas emoções e estados emocionais”, explica Regina Ponces.

Ter inteligência emocional não é controlar as emoções, como muitos falam, não é tentar ser mais racional, como outros defendem, é saber fazer uma gestão adequada dos vários estados emocionais pelos quais passamos ao longo de um dia, por exemplo.

Atualmente não há vida sem stress, assim como também não é possível viver sem tristezas, frustrações, tédio, aborrecimentos, preocupações, porque a vida é tudo isso e muito mais. Por vezes, tenta-se viver a vida fugindo da tristeza ou do medo, e isso acaba por ser uma prisão, porque não há como fugir dessas emoções.

Há momentos em que precisamos de ficar tristes, outros preocupados, ou alegres ou expectantes. As emoções são mensageiras, trazem “recados” do nosso corpo e daquilo que ele precisa no momento. Por vezes, não escutar as nossas emoções, o nosso corpo, faz-nos andar dissociados, desligados, e se tal parece uma solução, ela não é de todo eficaz a longo prazo, pois pagamos uma fatura alta por essa desconexão com a realidade.

Cada emoção base tem um “gatilho” universal, algo que a faz espoletar em qualquer parte do mundo, e pede uma ação ou ações em concreto.

tristeza, por exemplo, uma das emoções de que mais gente foge, é desencadeada pela sensação/perceção de perda. Quando perdemos algo importante ou alguém, a tristeza ajuda-nos a recuperar. Precisamos de entristecer, fazer “o luto” do que quer que seja; quase como se hibernássemos para poder viver com pouca energia e, assim, ultrapassar os momentos mais difíceis. Quando estamos tristes, o nosso corpo pede apoio e suporte. Precisamos disso para nos autorregular.

Já o medo, é uma das emoções mais presentes nas nossas vidas, mesmo que nem sempre tenhamos consciência disso. Aliás, um dos maiores medos da espécie humana é não ser amada, aceite, não pertencer, não ser reconhecida, quer seja na vida enquanto crianças, passando pela adolescência, até à vida adulta e sénior. Nesta última fase, até acrescentamos o medo da(s) perda(s) que vamos experienciando, ao nível da saúde, da autonomia e sentimento de utilidade. O medo é sempre espoletado pela sensação de ameaça (real ou percecionada). E quando assim é, o nosso corpo pede segurança.

raiva, a famosa e que tanta gente considera não ser correto sentir, é desencadeada por sensações de frustração e sentimentos de injustiça. Ela é tão necessária como qualquer outra emoção, mas é claramente uma emoção de ação, que vem de dentro para fora. É ela que nos permite levantarmo-nos e defender os nossos direitos ou um amigo que está a ser acusado injustamente. Sem ela não haveria ações, de conquista ou de superação. Normalmente, não gostamos dela porque a associamos a ações extremas, de violência, por exemplo. O gatilho da raiva é a frustração ou o sentimento de injustiça e quando assim é, o corpo pede flexibilidade. Precisamos de aumentar a nossa flexibilidade, ter menos rigidez, capacidade de ver por outras perspetivas, de imaginar a “mochila do outro”, sem julgamentos.

Mas outra coisa interessante acerca das emoções é que sentir não implica agir desta ou daquela forma. Nós não conseguimos deixar de sentir, mas é da nossa responsabilidade decidir o que fazer com o que estamos a sentir. Ou seja, de ter a capacidade de regular as minhas emoções e tomar decisões ponderadas e equilibradas do que fazer com elas.

O PAPEL DO CORPO NA GESTÃO EMOCIONAL

Quando se diz que a autorregulação emocional é uma estreita relação entre corpo e mente, é porque quase sempre nos esquecemos que a gestão das emoções se dá pelas duas vias, a ascendente e a descendente. O corpo ajuda a equilibrar a mente e a mente ajuda a regular o corpo. Principalmente as pessoas muito mentais, tentam autorregular-se através da mente, tentam controlar pensamentos, substituir uns por outros, pensar positivo. Não está incorreto, mas nem sempre é eficaz. Na verdade, ensinaram-nos a ser mais racionais, como se isso resolvesse tudo, mas falta-nos aí uma peça fundamental, o corpo.

Como explica Regina: “Até porque a mente está dentro do corpo, não está fora. O nosso corpo está em permanente comunicação com o cérebro. Este recebe informações regulares sobre o estado do corpo através do nervo vago e, com essa informação, toma decisões, e muitas vezes é aqui que a mente costuma entrar a arranjar “explicações” e justificações para o nosso estado emocional, a encontrar uma narrativa que o justifique, começando um redemoinho de pensamentos sem fim. E já pensaram, por exemplo, que a alegria é uma emoção de expansão, onde o corpo pede para saltar, pular, partilhar com os outros… Quando nos sentimos felizes, sentimos igualmente uma necessidade de partilhar essa felicidade e parece que assim ela aumenta. Não é uma emoção de contenção e de introspeção como a tristeza.”

Portanto, cada emoção traz consigo movimentos corporais, de expansão ou contração, de atração ou repulsa. Na verdade, emoção é energia. E as emoções são contagiosas… Quem é que nunca se sentiu contagiado pelo mau humor de um(a) colega de trabalho?… Que chega e deixa toda a gente mal-humorada ao fim de uns minutos. O certo é que o contrário também acontece, parece é que o contágio demora um pouco de tempo, mas acaba por fluir e acontecer!

Em termos práticos, se pensarmos nas nossas emoções como uma escala de intensidade, de 0 a 10, aprender a autorregularmo-nos é aprender a não nos deixarmos ir para os extremos e agirmos quando ainda é possível fazer essa gestão, de modo a mantermo-nos no maior equilíbrio possível. Eu não consigo regular um acesso de raiva que já está num nível 8, tenho de aumentar a minha consciência corporal e perceber que a minha “panela está a encher” e agir enquanto estou num 5 ou 6. Fazendo o quê? Utilizando a mesma metáfora: ou tiro a panela do fogo, ou baixo o lume, ou tiro água fora ou arranjo uma panela maior.

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DICAS PRÁTICASPARA AUTOREGULAÇÃO, SEGUNDO A PSICÓLOGA REGINA PONCES

  1. Aumentar a nossa consciência sobre os nossos estados emocionais e como é que eles se manifestam no nosso corpo, como é que eles se mostram na sua intensidade e crescendo.
  2. Para isso, é preciso sair do “piloto automático”, nem que seja uns minutos por dia e sentir, sentirmo-nos: onde dói, onde está tenso, se há formigueiro, dormência, se está frio, se está quente, se há náusea, como se está a respirar (profundamente, curto e em cima, bloqueado, quase impercetível o movimento do tórax)
  3. Também é preciso arranjar uns minutos no dia para fazer esse reconhecimento de como está o nosso corpo e como nos sentimos – pode ser numa caminhada por entre as árvores, com cheiros a floresta e terra, como pode ser num exercício de respiração:
  4. Respirar profundamente 3 a 5 vezes para começar e se conectar. De seguida, ao inspirar, arquear as costas e inclinar a cabeça para trás e olhar para cima; ao expirar, enrolar as costas e o pescoço, como se olhasse para a barriga. Repetir, pelo menos, umas 5 vezes. Este exercício tanto pode ser feito de pé como sentados numa cadeira.
  5. Num outro exercício, inspirar, erguendo os braços juntando as mãos por cima da cabeça, encostando as palmas da mão; ao expirar, baixar os braços à frente, colocando as mãos junto ao peito em forma de prece. Repetir, pelo menos, umas 5 vezes.
  6. Aprender a escutar o corpo, onde as nossas emoções se estão a manifestar e perceber o que ele está a pedir, se conforto, apoio, suporte, segurança ou flexibilidade. Se o corpo está quente, como quando estamos a sentir raiva, ele precisa esfriar. Se estamos a sentir tristeza, pode-nos fazer bem falar (ou simplesmente estar) com um amigo ou fazer uma automassagem (precisamos de trazer alegria ao corpo). Se nos sentimos ansiosos ou preocupados (na base está o medo), o corpo precisa sentir segurança e isso pode ser, por exemplo, através de um cheiro de infância que nos traz boas memórias.

Usando o corpo para nos autorregularmos, trazendo sensações diferentes das que estamos a sentir e que não gostamos:

  • Cheirar algo: Saquinho de alfazema, flores frescas, cheiro de árvores e terra molhada (agora que as primeiras chuvas estão a chegar);
  • Espremer algo: Uma bola antisstress, plasticina, uma almofada;
  • Olhar/observar algo: Árvores ao vento, pote de glitter, caleidoscópio, ou simplesmente o que nos rodeia;
  • Ouvir algo: Música que acalme, na natureza, o barulho das árvores e dos pássaros, do mar ou do rio, um áudio book;
  • Fazer algo: Automassagem nas têmporas com óleo essencial de lavanda, pintar ou desenhar uma mandala, colocar os pés em água quente com sal ou sais de banho perfumados e fazer uma massagem, passar tempo junto à terra, numa horta ou a jardinar;
  • Um mix: Cantar uma ladainha ou canção de embalar, batendo suavemente o ritmo com a mão no peito, junto ao coração; caminhar em bicos dos pés, enquanto sopra o ar para fora, como se estivesse a encher balões.

E mais importante que tudo, conhecer-se melhor para saber o que melhor te acalma e tranquiliza.