“Quando a minha psiquiatra me falou da possibilidade de fazer formação profissional, recusei a ideia. Achava que não seria capaz, mas acabei por aceitar e encontrei um lugar onde não sou discriminada”, relata Ariana Costa, de 38 anos, diagnosticada com transtorno borderline, ansiedade e depressão. Chegou à ARIA em 2019, quando ainda estava internada no Pavilhão 19 do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, para integrar o curso de restauração. Atualmente, trabalha no Psicoprato, o restaurante da ARIA, onde os formandos põem em prática os conhecimentos adquiridos. “A atividade que tenho na ARIA estrutura o meu dia e a minha vida. Sei que, se tiver um problema, tenho uma equipa para me apoiar. A ARIA não é só formação, é apoio e ajuda”.
Fundada há 33 anos, a ARIA é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sem fins lucrativos, que opera em Lisboa, Oeiras e Cascais. A psicóloga Teresa Ribeiro, que assume as funções de diretora técnica e vice-presidente, integra a organização há 27 anos. “Quando entrei, a ARIA tinha apenas um projeto de formação profissional e uma equipa de sete pessoas. Hoje, somos 50 profissionais, com projetos inovadores e um trabalho de referência na reabilitação psicossocial de pessoas com doença mental”, conta.
A missão da ARIA é clara: proporcionar os recursos necessários para a reintegração social e profissional de pessoas com doenças mentais graves. A instituição apoia diariamente mais de 200 utentes, através de quatro pilares estratégicos:
Estas áreas refletem-se nos diferentes projetos da organização, que incluem estruturas de atividades ocupacionais, residência de treino e autonomia, apoio ao emprego e formação profissional nas vertentes de restauração e jardinagem. É nesta última que Rogério Santos, 54 anos, está integrado: “Desde que estou na ARIA tenho a minha vida mais estabilizada. Comecei por fazer o curso de formação profissional de jardinagem, de seguida tive oportunidade de passar para o projeto ARIA Jardins e, atualmente, tenho contrato de trabalho na instituição como jardineiro. Hoje, sinto-me uma pessoa normal, cumpro horários, trabalho e tenho uma vida como qualquer pessoa”.
A valorização de uma rotina, horários e responsabilidades são aspetos vincados por todos com quem a DoBem conversou. Reconhecem que precisam de um trabalho para estruturar uma rotina que os leve a sair de casa. Querem fazer parte. Querem sentir-se úteis. Querem a normalidade que muitos de nós, tantas vezes, desprezamos.
“Quando olho para os nossos utentes, todos eles são inspiradores! Costumo dizer que são uns heróis! Muitos deles com um diagnóstico grave e crónico, com experiências de doença mental muito duras, medicação com efeitos colaterais difíceis de gerir, abandono escolar precoce, experiências profissionais precárias, situações familiares e sociais muito desafiantes, e mesmo assim o que querem para as suas vidas é o que qualquer um de nós quer!”, lembra Teresa Ribeiro.
Lucília Carneiro começou a trabalhar na ARIA há 23 anos. É formadora do curso de restauração, na vertente Mesas e Bar. É a responsável pelo Psicoprato, coordenando o serviço do restaurante e a equipa de formandos. A profissional destaca o impacto da experiência por que passam: “Muitos chegam sem confiança e, com o tempo, tornam-se autónomos. É gratificante ver que, apesar do estigma, têm agora uma oportunidade”.
Foi o que aconteceu com Maria Isabel Freitas Lé, de 40 anos. Foi encaminhada pelo Hospital de Dia de Santa Maria para o programa Incorpora. Hoje, trabalha no restaurante O Mercado e sente que tudo mudou. “Trabalhar permitiu-me organizar melhor a minha vida. Estou feliz e isso deve-se muito ao apoio da ARIA”.
Andy Camará, 25 anos, diagnosticado com esquizofrenia, chegou à ARIA por indicação da sua terapeuta ocupacional. “Conseguiram arranjar-me emprego e hoje tenho uma rotina, um rendimento e uma vida mais estável. O que mais gosto são as pessoas da instituição”.
Também Rogério Santos, o jardineiro que integrou a equipa da ARIA Jardins, viu a vida transformar-se. “Antes consumia álcool e drogas. Na ARIA consegui largar esses consumos e recuperar a minha vida. Hoje sou jardineiro, tenho contrato e sinto-me uma pessoa normal”.
Apesar dos sucessos, o trabalho da ARIA não está isento de desafios. Teresa aponta a falta de financiamento como uma das maiores dificuldades: “Em comparação com outras áreas da saúde, e outras áreas sociais, a saúde mental é, muitas vezes, das que recebe menos atenção e apoios, o que resulta em falta de serviços, profissionais e infraestruturas adequadas”. No que diz respeito às necessidades mais prementes da ARIA, incluem:
Além das questões materiais, essenciais para o normal funcionamento e para o conforto e segurança das equipas de técnicos e de utentes, Teresa Ribeiro salienta ainda: “Não podemos esquecer a carga emocional que os profissionais de saúde mental vivem. Lidar com o sofrimento e as dificuldades dos nossos utentes é, mentalmente, desgastante. Cada um de nós não deve descurar estratégias de autocuidado e a ARIA, como entidade empregadora, deverá estar atenta aos riscos psicossociais inerentes ao trabalho dos seus colaboradores, este é um grande desafio!”.
Falar de saúde mental é falar de preconceito. Fala-se baixo, fecha-se a porta, olha-se para o lado. Mas a saúde mental está na ordem do dia e Portugal precisa de elevar instituições que não desistem de procurar soluções, que não baixam os braços e que insistem em ser resposta quando há cada vez mais questões. É esse o trabalho da ARIA, onde cada história prova que a recuperação é possível. O relato seguinte é feito pela diretora técnica e vice-presidente da ARIA, Teresa Ribeiro:
“Lembro-me sempre de uma utente que nos foi encaminhada para uma das nossas residências. Já não era jovem. Tinha um diagnóstico de psicose, apresentando um estado catatónico na altura da integração na nossa unidade. Pouco conseguia comunicar e, na altura, o pedido da equipa clínica que a encaminhou era, principalmente, o apoio residencial acompanhado e a manutenção das poucas competências que tinha. Foi integrada em simultâneo num dos nossos fóruns. Pouco a pouco, foi começando a comunicar e a conseguir estabelecer relações interpessoais. Começou a conseguir partilhar connosco quais os seus objetivos de vida: trabalhar e ter uma casa. Na altura, e apesar das dúvidas, a nossa equipa começou a trabalhar com ela. A seu pedido, proporcionámos-lhe uma experiência como voluntária na cozinha do Psicoprato. Correu tão bem, que acabou por fazer o curso de Cozinha. Foi integrada profissionalmente e, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, conseguimos que tivesse acesso a uma habitação social. Este caminho foi feito durante 8 anos. Em reabilitação psicossocial de pessoas com doença mental, não estabelecemos limites temporais para a nossa intervenção, será sempre o tempo que for preciso”.
Com empatia. Com cuidado. Com profissionalismo. Assim é a ARIA.