O silêncio não é apenas ausência de ruído. Quando mergulhamos nesta dimensão, abre-se uma janela para acedermos ao que de mais profundo há no nosso ser. Cria-se a oportunidade para nos reencontrarmos e seguirmos o caminho que combina com a nossa essência e valores. O Luís Matias adora viver. E fá-lo com intensidade e paixão. De tal maneira que, por fazer muitas coisas, entrou em piloto automático, esqueceu-se de si e deixou a ansiedade entrar. O que o salvou foi o silêncio: um retiro Vipassana mudou a trajetória da sua vida. Hoje ensina aos seus alunos todas as ferramentas que o tornam num ser humano mais feliz. Que esta história vos inspire, também.
Todas as histórias têm um princípio. Esta começa pelo momento presente. Um momento presente que rapidamente deixará de ser presente no momento em que acabar de escrever esta frase. Mas afinal toda a importância do tempo é relativa. “É o tempo que você desperdiçou com a sua rosa que a torna tão importante” é uma frase retirada do livro “O Principezinho” do escritor Antoine de Saint-Exupéry que ainda hoje ressoa em mim. É o tempo e a atenção que damos à nossa vida a cada momento que lhe confere importância, que lhe dá sentido. E ainda mais sentido-lhe dá se a vivermos de forma plena, consciente, desperta e livre. E que os benefícios desta vida sejam para o Bem de todos os seres, todos sem qualquer exceção.
Nasci em junho de 1966, tenho 58 anos e uma filha com 21 anos atualmente a estudar fora no programa Erasmus. Sou um apaixonado pela vida. Por viagens (gosto de me aventurar), pelas artes principalmente a pintura, pela dança (clássica e contemporânea), pela Ciência em especial a Física, por livros e música (desde a eletrónica à clássica incluindo a ópera que adoro), pelo desporto (fiz alta competição durante muitos anos) e por tudo o que seja feito no meio da Natureza como o surf que regularmente não dispenso. Gosto muito de movimento mas também de quietude. Pratico e ensino Yoga e Meditação desde 2001. Comecei a praticar por um acaso. Mais adiante contarei melhor como foi o início, um início que mudou definitivamente o percurso da minha vida.
Decidi há cerca de 7 anos dedicar-me totalmente à promoção e desenvolvimento da Cultura Contemplativa e das suas práticas, nomeadamente o Yoga, a Meditação, o Mindfulness e as Artes Contemplativas. Faço-o através das aulas, workshops, webinars e retiros que conduzo e/ou organizo, através da criação de programas específicos de implementação destas práticas contemplativas nas empresas e organizações, em doentes com determinadas patologias (cujos benefícios das práticas foram cientificamente comprovados) no desporto de alto rendimento ou na educação. Faço-o também pontualmente através de conversas com convidados presenciais e online e em breve iniciarei o meu podcast.
O 1º CONTACTO COM O YOGA
Após ter estudado Economia na Universidade Católica Portuguesa, licenciei-me em Comunicação Social e Cultural na mesma instituição e durante alguns anos trabalhei na área da consultoria de comunicação, assessoria de imprensa e relações públicas, tendo inclusive criado uma agência de comunicação e imagem. Mais tarde tive também uma empresa que era membro da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Sociedade Portuguesa de Física e que se dedicava à criação e desenvolvimento de produtos educacionais para crianças e jovens.
Um dia, quando ainda estava a estudar, a minha namorada perguntou-me se eu queria experimentar uma aula de Yoga. “Yoga? O que é isso?” – perguntei-lhe na altura. Explicou-me um pouco e como sou muito curioso resolvi experimentar e lá fomos.
A aula começou com todos em círculo a cantar mantras em sânscrito (uma língua ancestral, mas já morta oriunda do Nepal e da Índia e uma das línguas indo-europeias do mesmo tronco linguístico da grande parte dos idiomas falados na Europa) e a bater palmas. Sou uma pessoa naturalmente extrovertida, mas confesso que fiquei meio envergonhado e com uma imensa vontade de rir e só me perguntava: onde é que eu vim parar? Mas a aula continuou com técnicas de respiração, com posturas, com um relaxamento induzido pela professora e terminou com uma meditação final. E de repente tudo mudou. Senti um imenso bem-estar. Estava, ao mesmo tempo, relaxado – mas com uma imensa energia e vitalidade. Definitivamente conquistado é aqui que começa a minha história com o Yoga e com as práticas contemplativas.






Comecei a participar regularmente em aulas, 2 a 3 vezes por semana e comecei gradualmente a sentir outros efeitos mais permanentes resultantes da consistência da prática. Mais atento e concentrado, menos reativo, a dormir melhor, a recuperar melhor do esforço físico do desporto, com menos momentos de ansiedade e stress (ou quando os tinha usava as técnicas de respiração para me equilibrar de novo) mas principalmente a ver o mundo de forma mais consciente, a ver o mundo com outros olhos.
A minha ida para Macau em 1999 para trabalhar em assessoria de imprensa para o governador durante o ano de transição da administração de Macau de Portugal para a China fez-me interromper o caminho no Yoga, mas mal regressei a Portugal em 2000, voltei a praticar e inscrevi-me num curso de aprofundamento de conhecimentos de Yoga que também era de formação de professores e que durava cerca de 1 ano e meio. Não estava minimamente nos meus planos ser professor de Yoga, apesar de outros professores me dizerem que isso inevitavelmente ia acontecer. E aconteceu. No final do curso nasce em nós uma vontade de partilhar o que aprendemos, de podermos transmitir aquilo que experienciamos e sentimos para que os outros possam vivenciar o mesmo.
DE ALUNO A PROFESSOR, MAS SEMPRE ALUNO
Sempre gostei de viver intensamente e com paixão. Mais uma vez o entusiasmo era muito e comecei rapidamente a dar aulas, primeiro em ginásios e uns anos mais tarde também num centro de Yoga que abri em Lisboa. Até essa altura continuava a praticar, a estudar e a participar em workshops com diferentes professores (nacionais e estrangeiros) de diferentes escolas e tradições, mas cometi o erro de abrir o centro ao mesmo tempo que tinha uma agência de comunicação e imagem. Entre o trabalho da agência e as várias aulas de Yoga que tinha que conduzir para poder pagar a renda do espaço, andava sempre a correr de um lado para o outro sem tempo para praticar para mim ou estudar e estava bastante cansado. Às vezes, acabava as aulas e não me recordava o que tinha estado a ensinar. Estava em piloto automático, a criar ansiedade, a não cuidar de mim e a não ser verdadeiro com os meus alunos. Na prática, contrariava tudo aquilo que é a filosofia do yoga, os ensinamentos que tinha recebido e todo um conjunto de princípios éticos do Yoga sem os quais a evolução não é possível.
Fechei o Centro de Yoga e deixei de dar aulas durante algum tempo.
UM NOVO COMEÇO QUE SE TORNA EM MISSÃO. O CURSO/RETIRO DE VIPASSANA
Mas o chamamento do Yoga nunca desapareceu.
Em 2015 decido voltar a dar aulas e também a estudar e começa aqui a 2º parte da história que me traz até a este momento. Começo a dar aulas de Yoga na Orquestra Metropolitana de Lisboa ao mesmo tempo que encontro outro espaço em Belém para dar aulas ao público e no período de 2017 e 2019 completo mais 2 cursos de formação para professores de Yoga de 250h. E é durante um desses cursos que conheço um colega que pela primeira vez fala-me de algo que desconhecia, a técnica de meditação Vipassana. Explica-me que é uma técnica milenar da Índia redescoberta há mais de 2.500 anos pelo Buda Gautama (Siddhartha era o nome de batismo) que visa a total erradicação das impurezas mentais e a resultante felicidade suprema da libertação completa.
“Vipassana é um caminho de auto transformação através da auto observação. Focaliza-se na profunda interconexão entre a mente e o corpo, que pode ser experienciada diretamente pela atenção disciplinada às sensações físicas, que formam a vida do corpo e que se interconetam continuamente e condicionam a vida da mente. É esta jornada de autoconhecimento baseada na observação à raiz comum da mente e do corpo que dissolve as impurezas mentais, resultando numa mente equilibrada, cheia de amor e compaixão.”
Um curso de 10 dias em total silêncio com cerca de 9h de meditação diárias, alternando entre práticas guiadas pela voz de Goenka (o mestre birmanês responsável pelo retorno da Vipassana aos tempos modernos) e práticas individuais em sala e em grupo ou individualmente nos quartos. Todos os dias aprendemos um pouco da técnica para depois a praticarmos de forma diligente e consistente e apenas no fim do curso temos a técnica toda. Sem telemóveis, sem tablets, sem computadores, sem cadernos, sem livros, sem conversas e mesmo quase sem contacto visual, 120 pessoas (normalmente 60 homens e 60 mulheres) iniciam as suas práticas às 4h da manhã e terminam perto das 20h com apenas duas refeições pelo meio (3 no caso dos iniciantes) e alguns momentos de pausa entre sessões e após as refeições.
“O curso requer trabalho sério e árduo. Há três passos no treino. O primeiro passo é abster-se — durante todo o curso — de matar, roubar, manter atividade sexual, mentir e tomar substâncias tóxicas. Este simples código de conduta moral serve para acalmar a mente que, de outra forma, estaria muito agitada para executar a tarefa de auto-observação.
O próximo passo é desenvolver o domínio da mente aprendendo a fixar a atenção na realidade natural do fluxo da respiração, sempre em mudança, enquanto entra e sai das narinas. Ao quarto dia, a mente está mais calma e mais focada, estando melhor preparada para empreender a prática de Vipassana em si: observar as sensações por todo o corpo, compreender a sua natureza e desenvolver a equanimidade ao aprender a não lhes reagir.
Finalmente, no último dia os participantes aprendem a meditação do amor ou boa vontade face a todos, na qual a pureza desenvolvida durante o curso é partilhada com todos os seres”
Nunca tinha estado tanto tempo a meditar e durante períodos tão longos.
Nunca tinha estado 10 dias em silêncio.
Nunca tinha estado tanto tempo comigo próprio longe das distrações e dos estímulos exteriores, excetuando aqueles que a própria mente desenvolve.
Nunca tinha experienciado uma meditação tão profunda e desenvolvido uma atenção tão plena. Muito do que tinha lido, ouvido, aprendido e até praticado de forma mais superficial, ali naqueles dias tornou-se finalmente mais claro, mais luminoso. Sentia-me muito atento, muito desperto, mas principalmente a repousar em estados de consciência que desconhecia, uma consciência silenciosa, que me traziam em alguns momentos uma enorme felicidade difícil de explicar, mas também às vezes faziam emergir dolorosamente parte daquilo que não estava bem resolvido em mim e que todos nós vamos guardando ao longo dos anos.
Meditar não é evitar os pensamentos, mas se olharmos para os pensamentos apenas no papel de um observador, um espetador, uma testemunha que apenas observa e assiste e não se envolve com eles e não criarmos apego aos pensamentos cuja natureza é agradável nem aversão aqueles cuja natureza é desagradável, eles não se fixam na mente e a pouco e pouco vão se dissipando como uma nuvem no céu empurrada pelo vento. Dissipados os pensamentos, livres da formulação de conceitos e despidos do nosso ego, subitamente encontramo-nos num espaço novo de consciência, mais próximos da nossa natureza primordial, da nossa essência, realizando a experiência de simplesmente ser.
Realizei, nesse momento, que não existe o Eu e o Outro, o Eu e a Natureza ou o Eu e Deus (a criação, tudo o que existe ou que quisermos chamar). A minha natureza primordial é exatamente igual à do Outro, à da Natureza, à de Deus, Eu sou o Outro. Eu sou a Natureza. Eu sou Deus.
Qualquer sentimento de separação que possamos ter entre nós e o que está à nossa volta desvanece-se. Sentimos união (que é uma das traduções de Yoga), sentimos conexão, sentimo-nos mais despertos, mais livres e mais felizes.
DEPOIS DE VIPASSANA, CHEGA O TEMPO PRESENTE
Regressado de Vipassana novamente ao mundo dos estímulos e da agitação, tinha tomado a minha decisão. Queria contribuir para que todos tivessem a oportunidade de experienciar e vivenciar as práticas contemplativas, de também sentir os seus efeitos e os seus benefícios. Tinha encontrado um novo propósito para a minha vida e a missão de ajudar a abrir a porta das práticas contemplativas ao maior número de pessoas.






A minha prática individual alterou-se bastante assim como o meu entendimento das práticas contemplativas. Palavras como Impermanência (tudo está em constante mudança, nada é permanente), a lei natural do Universo, Equanimidade (manter a estabilidade emocional em qualquer situação, seja ela agradável ou desagradável) ou frases como “Aceitar a Impermanência para desenvolver a Equanimidade, tornaram-se recorrentes nos meus pensamentos e nos meus ensinamentos.
Sempre fui uma pessoa naturalmente positiva, mas tenho consciência que prática do Yoga e de Vipassana, entre outras, deram-me mais ferramentas para enfrentar as adversidades. Durante o tempo do Covid passei um período muito conturbado tendo experienciado um enorme sofrimento devido à perda de 2 pessoas muito próximas e em circunstâncias dramáticas e tenho a consciência que aquilo que faço e ensino me ajudou a ultrapassar esses momentos e, também, a poder ajudar outras pessoas que passam por algo semelhante.
Ainda fiz mais dois retiros Vipassana (e espero ainda vir a fazer mais), conclui o programa MBSR – Mindfulness Based Stress Reduction – e participei em alguns cursos e workshops conduzidos pelo professor de meditação e filosofia Paulo Borges e nos últimos tempos tenho estado presente em alguns eventos nos quais cientistas/ investigadores (algumas das principais instituições académicas mundiais) apresentam os seus estudos científicos sobre os efeitos e benefícios das práticas contemplativas na BioMedicina (na saúde mental, no cancro, na demência, por exemplo), na Neurociência (com destaque para a neurociência contemplativa em que se estuda os efeitos da meditação no cérebro) e nas Ciências Sociais – em campos tão diversos como na Educação, nas empresas, no desporto de alto rendimento ou nas prisões.
Os praticantes não precisam da experiência para validar ou comprovar as suas práticas, mas estes encontros e os seus resultados ajudam a despertar a curiosidade e o interesse por muitos os que ainda não praticam ajudando assim a expandir a Cultura Contemplativa.
Por Cultura Contemplativa entendemos as abordagens teórico-práticas, como a Meditação, o Yoga, o Mindfulness e as Artes, que privilegiam o cultivo e o desenvolvimento da consciência de si, em termos físicos, mentais, emocionais e sensoriais, bem como a conexão e interação positiva com os outros, as demais formas de vida e o mundo natural, por via de uma atenção aberta a todas as formas da experiência presente e de uma atitude amorosa e compassiva para consigo e para com todos os viventes.
Ela permite o desenvolvimento humano integral e consciente, contribuindo para:
- A felicidade de ser e estados de consciência livres do sentimento de separação entre si e o mundo;
- a redução do medo, da avidez, da agressividade, do stress e da ansiedade;
- uma vida mais consciente, saudável e simples, com menos impacto ambiental;
- uma ação no mundo mais responsável e solidária na relação com os humanos, os demais seres e a Terra.
Talvez o mais gratificante neste caminho que estou a fazer e nesta missão que abracei é assistir à bonita transformação que as práticas contemplativas provocam em todos os que a elas aderem, tornando a sua vida mais consciente, mais plena, mais desperta e mais feliz. É também ótimo saber que estas práticas são universais e acessíveis a todos, que podem ajudar a prevenir o surgimento de problemas físicos ou de saúde e em alguns casos ajudar a recuperar desses problemas, que trazem maior harmonia e paz a quem as prática e à sociedade em geral e que principalmente desenvolvem e promovem valores e princípios nobres como a compaixão, a paz, a consciência social e ambiental e o amor nas suas mais variadas formas. A tudo isto chamamos desenvolvimento espiritual.
Não é um caminho fácil e exige entrega, consistência, disciplina e mais importante que as aulas com os professores é a prática individual. Sem ela nada acontece. Não é um caminho fácil, mas é um caminho maravilhoso com etapas verdadeiramente transformadoras que nos ajudam na relação connosco próprios, com os outros e com tudo o que nos rodeia.
Meditação Mettha Bhavana (meditação na bondade, na compaixão):
Que todos os seres sejam felizes.
Que todos os seres vivam em paz e harmonia.
Que todos os seres estejam livres de toda a doença.
Que todos os seres se libertem de todo o sofrimento com as reais causas do sofrimento (o apego e aversão).
Que todos os seres despertem para a a luz da sua verdadeira natureza.
Que todos os seres de tornem plenamente livres.