Estava a sentir-me mal, pesada, intoxicada, estranha e sem motivação nenhuma para mudar. No início do ano, tinha escrito os meus desejos para o novo ciclo que começava. Um deles dizia: “saúde perfeita” – o outro, pedia que “emagrecesse de forma elevada”. Não sei bem o que me passou pela cabeça no instante em que escrevi isto, o certo é que fui ouvida!
Cinco meses depois, uns dias antes de fazer anos, fui de urgência para o hospital. Uma dor (muito) aguda e cavalgante tinha-me imobilizado, não me deixando nem falar. Estava com uma hepatite tóxica e não percebia bem a gravidade da situação. Tive alta, mas deixei de conseguir comer. Doía-me o estômago e parecia que tinha a garganta e a língua em chamas! À noite, piorava e eu entrava em pânico – mergulhada no medo que aqueles sintomas (e que o desconhecido) me provocavam.
Num desses momentos, pedi a uma das minhas amigas para me fazer terapia energética – precisava de ajuda com a dor e, sobretudo, com a ansiedade. No fim do envio da cura e da leitura energética, ela sugeriu que fosse a uma médica Ayurveda, a Beny, em quem ela confiava – toda a família ia lá, incluindo os seus três filhos menores.
Estava exausta e marquei sem piscar. Quem me conhece sabe que adoro novas aventuras terapêuticas e de cura – mas, desta vez, ia nervosa!
Já há muito que sentia um (grande) apelo para mergulhar na ciência do Ayurveda – e esta era a direção. Sempre me fascinou o fato desta medicina permitir manter um equilíbrio que nos é específico. Sabia que ela se focava numa compreensão mais profunda de quem somos em relação a tudo e a todos os que nos rodeiam, desde a composição estrutural à energética que faz de nós indivíduos únicos.
O Ayurveda visa tratar a causa e não apenas os sintomas visíveis, o que dissuade o ressurgimento das doenças. E eu, estava mesmo cansada da abordagem que remedeia apenas uma dor ou um sintoma em concreto – ignorando tudo o resto.
Queria curar-me de forma holística, nutrindo todas as minhas dimensões, conquistando a saúde perfeita e tendo as ferramentas necessárias para a manter. A cada momento – a escolha é nossa. A nossa vida (e saúde) estão sempre num fluxo constante e, por isso, estava a tornar-se vital conhecer-me na totalidade e de forma íntima, sendo essa a chave da verdadeira saúde preventiva.
Isso, e a confiança imediata que senti na minha terapeuta, a Beny, fizeram com que fosse natural e fácil para mim embarcar nesta aventura.
SOBRE A MEDICINA AYURVÉDICA
O primeiro contacto que tive com a Medicina Ayurvédica foi num retiro que fiz. À mesa, uma das participantes falava sobre o seu dosha e sobre as suas escolhas alimentares. Eram assertivas e concretas – a sua comida era o seu remédio e era completamente focada na sua individualidade enquanto ser físico, mental, emocional e espiritual. Palavras como Vata, Pitta ou Kapha ficaram retidas algures na minha mente e voltaram a ser ativadas anos depois, na que foi a melhor massagem da minha vida: uma massagem ayurvédica.
Mas, afinal, do que se trata esta medicina?
Muito haveria a dizer – mas vou tentar resumir o que apreendi enquanto curiosa e receptora de cuidados:
O Ayurveda é a ciência médica mais antiga que se conhece – tendo mais de 5000 anos.
Ela visa tratar as origens de uma doença, tendo dois principais objetivos de saúde:
Ela adota uma abordagem completamente holística face à vida e ao bem-estar e pensa na mente, no corpo, nas emoções e na alma integrados com os efeitos que o meio ambiente, as estações do ano e os ciclos lunares e solares têm em nós. Brutal, não é? Desta forma, conseguimos reforçar a ligação ao fluxo da vida e estar em sintonia com os nossos ritmos circadianos naturais.
Além do enfoque na doença, esta medicina integra uma abordagem ao bem-estar geral privilegiando a prevenção em detrimento da cura.
De acordo com o Ayurveda, uma pessoa é saudável quando equilibra:
O Ayurveda visa ligar os pontos entre todas as possíveis causas de desarmonia no nosso ecossistema biológico, colocando a pessoa – e não a doença – no centro do tratamento.
Geeta Vara“A saúde ideal é um estado de equilíbrio de acordo com o Ayurveda, e não é preciso ser-se um génio para perceber isso. Basta estar atento à intuição e seguir as orientações da natureza. Com base numa abordagem multidimensional, é possível regenerar a sua vida através da alimentação, do exercício, do sono, do descanso, de uma rotina adequada, de ervas, respiração, meditação, oração e ligação ao seu eu superior.”
O QUE SÃO OS DOSHAS
A Ayurveda defende que as nossas caraterísticas físicas, emocionais e mentais têm origem nos doshas: vata, pitta e kapha – e que estes são responsáveis por todos os processos fisiológicos e psicológicos que ocorrem em nós.
Estes são derivados de combinações dos cinco elementos – que se fazem presentes e funcionais no corpo. Eles são as forças bioenergéticas que sustentam a vida, sendo que cada célula do nosso corpo contém os três doshas e as suas ações específicas:
Os três doshas são as forças dinâmicas que determinam o crescimento, a transformação e a decadência. E… estão constantemente em fluxo. Não são estanques.
Mais do que perceber qual o nosso dosha predominante, os terapeutas percebem a desarmonia dos mesmos de forma a que o foco seja restabelecer o seu equilíbrio.
Eu, por exemplo, tenho como dosha natural o Pitta. Mas, quando fui à minha primeira consulta com a Beny – a terapeuta com a qual faço trabalho – a dieta alimentar que ela me deu foi para equilibrar o meu pitta e kapha. Eram eles que estavam em desequilíbrio e que precisavam de atenção.
PANCHAKARMA – O QUE É
Ouvi este nome na minha primeira consulta com a Beny. Quando lá cheguei – falamos, ela viu língua, dedos, mãos e informou-me que não me ia fazer tratamentos: estava demasiado intoxicada, não iriam ter efeito nenhum, era escusado investir tempo nisso ali e agora. Primeiro, tinha de fazer 9 dias de desintoxicação e reavaliar. Depois, soltou um: “tu és candidata para Panchakarma”. Tentei anotar este nome na ponta dos papéis que ela me tinha dado, com o passo-a-passo para a minha nova alimentação.
Fui embora sem fazer perguntas – ela tinha deixado sair que era um procedimento de desintoxicação e de purificação que era equivalente a uma cirurgia geral intracelular. Era como regenerar os órgãos, um por um, e levar a cura até ao interior de cada uma das nossas células.
Ali, nem todos eram “convidados” para fazer este caminho. E eu era candidata. Pareceram-me boas notícias!
Só mais tarde percebi a profundidade da proposta e o grau de compromisso necessário. Seriam 15 dias nos quais na primeira semana teria de estar lá – a 45 minutos da minha casa – às 7h00. Ia atravessar IC19, 2ª Circular, Ponte Vasco da Gama para chegar a uma terra com um nome preocupante (Sarilhos Grandes). E tinha mesmo de chegar a horas!
Íamos ingerir óleo Ghee medicamentado todos os dias.
A alimentação iria ser muito rigorosa – durante todo o processo.
Não podíamos “falhar” sob pena das coisas nos caírem meio mal!
Depois de 5 dias a ingerir óleo medicamentado, teríamos de botar todas as toxinas que tinham sido reunidas, cá para fora – através de diarreia e/ou vómito terapêutico. Com as minhas patologias, calhava-me ambos na roleta!
Quando ouvi a palavra “vomitar”… quase vomitei! Não lido bem com o vômito e que dá-me um medo do caneco! Tanto que, no final, só fiz o Virechana (purga ou diarreia induzida). O Vamana (vómito terapêutico) irá ser feito um dia, mais tarde, depois dos medos já não fazerem barreira. O processo deve ser de fluidez e confiança – e não de dor e sofrimento.
A seguir, mais 5 dias em limpeza e nutrição (alguma delas feitas a partir do intestino). Óleo (muito óleo) por todo o lado! Estava a sentir-me um verdadeiro pão com manteiga!
Respirei fundo e ignorei – ia fazer!
Queria melhorar, queria uma opção natural – queria que fosse fácil, é verdade – e esta proposta parecia-me longe de ser simples – mas sabia, claramente, que não podia pensar em desculpas ou argumentos que ligassem o complicómetro – tinha era de avançar.
Estava determinada a abraçar um percurso rumo à auto regeneração – e foi isso que fiz.
Eu queria trabalhar os desequilíbrios subjacentes aos mecanismos do corpo que estavam a dar origem a várias doenças que tinha – algumas que me acompanham desde pequena. Queria uma mudança de mentalidade, de sentir.
Para mim tornava-se evidente que ser saudável é muito mais do que a ausência de doenças. E eu quero e quero ser saudável até morrer!
Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948A saúde é um estado de pleno bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afeções ou enfermidades.
O conjunto das terapias que constituem o Panchakarma ajuda a prevenir as doenças através da eliminação das toxinas do corpo – em particular uma delas, conhecida como “ama” que é o subproduto de uma digestão inadequada, dura e pesada.
O ritual inclui:
A Ayurveda relaciona o aparecimento de ama com um sistema digestivo fraco com doenças crónicas. O processo de Panchakarma tem como objetivo remover o ama e ajudar o corpo a restabelecer um estado interno de equilíbrio e harmonia.
O panchakarma é valioso porque oferece um tratamento sistemático para liberar e lavar as toxinas de todas as células, usando os mesmos órgãos de eliminação que o corpo utiliza naturalmente: glândulas sudoríparas, vasos sanguíneos, trato urinário e intestinos.
No fim de um Panchakarma, está previsto o funcionamento ideal do sistema digestivo e a renovação da nossa energia. Há luz que se acende em nós e uma clareza mental diferente do que conhecíamos.
Desde o início que sabia que esta não ia ser apenas uma experiência de desintoxicação e saúde física. No fundo, sentia que seria uma experiência de mudança de vida.
O QUE MUDOU EM MIM NESTE PROCESSO
A pergunta, aqui, deveria ser: o que não mudou em mim neste processo?
Para rumar em direção aos meus objetivos de cura – e para me desintoxicar e preparar para o Panchakarma – iniciei uma mudança alimentar que foi total. Deixei de consumir carne e peixe (algo que sempre me pareceu impensável), retirei glúten, lactose, açúcar, álcool, café e muitos alimentos. Ia aprendendo a compensar, percebendo porque o alimento A e B juntos eram importantes e porque é que o C e o D, eram veneno para o meu organismo. Limpei, o inchaço começou a desaparecer e emagreci – é certo. Fiz jejuns e bebi chás e águas especiais.
Mas o que mais me fascinou, foi a firmeza interior que comecei a ver surgir. Foi o centro, a forma como me consegui começar a observar – de fora para dentro e de dentro para fora, como se estivesse desdobrada. Foi a elevação da energia, a forma como tinha insights, como a minha clareza aumentou – como se iniciou um sentir de desapego e de libertação.
Todos os dias acordamos e renascemos. Comecei a focar-me em não permitir que o meu eu de ontem atrapalhasse o de hoje.
Num mundo cada vez mais mascarado, aceitar o fluxo natural da vida e entrar em contacto com o nosso «eu» é a melhor dádiva que podemos oferecer a nós mesmos.