Podia dizer que a caneta encontrou a minha mão ainda antes de saber falar: mas seria mentira. Primeiro veio o verbo – neste caso, em forma da palavra “cão” (irónico – sou uma cat person), depois vieram as cores e, a seguir, a palavra escrita por outros em forma de histórias – autênticos bilhetes gratuitos para todo o tipo de viagem.

Só mais tarde a caneta encontrou a minha mão entendendo que, por vezes, é mais fácil expressar emoção ou beleza no silêncio que permite que a mente, alma, imaginação e coração se expressem através da escrita.

Nem sei bem como começou. Lembro-me de folhas rabiscadas com letras tortas, dos famosos diários com cadeados dourados que pautavam as prendas da nossa pré-adolescência (que eu achava super secretos), dos segredos murmurados ao papel. Eu falava com ele como quem falava com o universo — e ele respondia. Às vezes em silêncio, às vezes devolvendo-me paz. Talvez permitindo-me sentir especial. Ali, não precisava de me preocupar com egos ou vaidades: podia ser quem sou, sem julgamentos externos.

Por vezes, escrevia para me fazer companhia.
Inventava histórias com nomes esquisitos, criava mundos só meus, desenhava personagens que tinham sempre algo de mágico — talvez fossem projeções daquilo que eu já intuía e ainda não sabia dizer. Escrever era brincar com o invisível. E era também o meu refúgio quando o mundo gritava demais.

Na adolescência, os cadernos mudaram de tom.
Vieram as dores, os amores, os medos, as revoluções internas. Escrevia com raiva, com paixão, com angústia, com sede de verdade. Os diários eram caóticos e lindos — folhas manchadas de lágrimas, frases sublinhadas a marcador fluorescente. Tinha de começar com o típico “Querido Diário” – um ritual que me parecia certo para desbloquear a forma de começar. Escrever era sobrevivência. Era onde me encontrava quando me perdia.

Hoje, continuo a escrever. Mas é diferente.
Escrevo com o coração, para transmitir e traduzir. Escrevo para escutar. Escrevo para deixar a alma respirar. Tenho o que chamo de “diários da alma” ou espiritual — não têm capa bonita nem organização. São os meus santuários. Ali deposito intuições, sonhos, memórias, intenções, perguntas que ainda não sei responder. Também mantenho um caderno espiritual — onde canalizo mensagens, onde a escrita já não vem só de mim, mas através de mim.

A escrita foi sempre casa.
Casa que cabe dentro da mala, que viaja comigo, que me acolhe quando ninguém mais sabe como. Escrevo para voltar a mim. Para perceber o que estou a sentir. Para conversar com as minhas sombras e com as minhas luzes. Para agradecer. Para libertar. Para semear. E, sobretudo, para me disciplinar: hoje em dia, é a forma como começo a meditar. Começo por falar com os meus guias ou mentores espirituais – e isso permite-me abrir o coração e ligar-me ao meu centro. A partir daí, flui.

E sabes o mais bonito?
É que este lugar tão meu, que sempre achei secreto, afinal é partilhável. Porque cada vez que guio alguém num processo de escrita com alma — seja através do Storytelling da Alma ou dos Diários Ancestrais — percebo que também essa pessoa encontra casa em si. E isso, para mim, é das maiores belezas da vida: ver a palavra virar espelho. Ver o que é íntimo tornar-se cura.


TIPOS DE ESCRITA PARA TRABALHO INTERNO

Há vários nomes: escrita terapêutica (o mais conhecido), escrita meditativa, journaling, escrita do eu,… Sempre pensei que era tudo o mesmo – mas entendi que não era bem assim. Há vários nomes, rótulos, formas de organizar a cura pela palavra escrita – porque, afinal, somos humanos e precisamos de coisas organizadas. Mas todas elas são um caminho. Um ritual. Um espelho. A escrita é uma ferramenta profunda de transformação interior. E existem muitas formas de a viver.

Abaixo, organizei alguns tipos de escrita para ti. Todas elas com uma sugestão de exercício.

Escrevo para me curar.
Usada para processar emoções, libertar dores, clarificar pensamentos e transformar padrões.

Exercício:
Escolhe uma emoção presente. Escreve sobre ela durante 10 minutos, sem parar.
Não edites. No fim, lê em voz alta com compaixão. O que mudou em ti?

Escrevo para escutar.
Escrita em estado de presença, onde a caneta se torna canal. Não há tema nem objetivo — há escuta.

Exercício:
Respira fundo, silencia. Pergunta: “O que a minha alma quer dizer hoje?”
Escreve o que vier, sem julgar.


Escrevo com a minha energia, não com a mente.
Escrita que vem da alma, sem planeamento. Canalização pura de pensamentos e sensações internas.

Exercício:
Fecha os olhos e escreve como se estivesses a receber uma mensagem de dentro (ou de cima).


Escrevo a partir do corpo.
A emoção começa no corpo. Esta escrita nasce das sensações físicas.

Exercício:
Sente onde habita a emoção no corpo. Se essa parte pudesse falar, o que diria?


Escrevo para atravessar o ruído.
Escrita livre e contínua. Ajuda a desbloquear, limpar e encontrar clareza.

Exercício:
Marca 15 minutos no relógio. Escreve sem parar, sem pensar. Se bloqueares, escreve: “não sei o que escrever”. Como foi?


Escrevo para me escutar todos os dias.
Escrita regular com perguntas de autoexploração.

Exercício:
“O que está vivo em mim hoje?”
“O que estou a evitar sentir?”
“O que preciso dar a mim mesma agora?”

Escrevo o que me sopra o invisível.
Escrita em conexão com guias, alma, campo. Recebe-se mais do que se pensa.

Exercício:
Começa com: “Hoje ouvi…” e deixa a mensagem vir.


Escrevo para criar novas verdades.
Usada para transformar crenças, ancorar afirmações e mudar a vibração interna.

Exercício:
Escreve 10x a frase que queres incorporar:
“Sou digna de amor leve.”
“Confio no meu ritmo.”
“Eu sou merecedor/a.”


Escrevo com intenção, como um gesto sagrado.
Parte de rituais — para soltar, agradecer, manifestar.

Exemplo:
Escreve uma carta para libertar algo que não queres mais em ti – ou de que não precisas mais. → No fim, queima a carta.
Palavra de intenção – escreve as tuas intenções para os próximos tempos → no fim, podes enterrar a carta para que os frutos possam brotar desta semente (simbolicamente falando).

Escrevo as vozes dentro de mim.
Dás palavra à criança interior, à tua sombra, à mulher anciã. Integração psíquica em forma de narrativa.

Exercício:
Escreve como se fosses a tua Criança Interior. O que sente? O que te quer dizer?

Escrevo para criar o que desejo viver.
Escreve o teu futuro como se já estivesse a acontecer. Escreve tudo no presente, no agora, com o máximo detalhe possível.

Exercício:
“É manhã. Acordo no lugar onde sonho viver…” — descreve esse dia.

Estas formas de escrita não são compartimentos — são portais.
Podem dançar entre si, misturar-se e tornar-se uma só.

Na escrita terapêutica, guiamos sempre quem quer mergulhar neste processo de escrita como caminho de cura e reconexão.

Porque às vezes, basta escrever para que a cura encontre por onde entrar.

Com alma,
Daniela Ventura