Setembro é, para muitos, um mês de regresso às rotinas. Mas entre a agenda, os compromissos e a exigência do dia a dia, há quem sinta a chamada “depressão pós-férias” — aquele estado de desalento, inquietação e cansaço que regressa após dias de pausa. Quisemos entender melhor o fenómeno. Talvez por acreditarmos que este pode ser mais do que um mal-estar passageiro: pode ser o convite da alma a parar, escutar e realinhar o caminho.
Por isso, convidámos o José Azantos, especialista em Medicina Geral e Familiar, com mais de 15 anos de prática clínica, autor do projeto «O Médico que fala da Alma», para partilhar a sua visão de que a verdadeira saúde começa no encontro connosco próprios.
Era uma tarde de Setembro quando Sónia compareceu para a consulta. Entrou no meu gabinete com um olhar baço e cumprimentou-me com um sorriso pálido que contrastava marcadamente com o seu bronzeado de Verão. Perguntei como se sentia, ao qual me respondeu “cansada… mesmo após três semanas de férias que terminaram há 10 dias. Estou cansada deste trabalho e de tudo…”. Comentei que, muito provavelmente, estaria, na verdade, cansada de andar perdida. Após uns curtos segundos de reflexão enquanto me mirava com uma expressão de surpresa, Sónia acenou de sim e o seu olhar passou de baço a húmido, aterrando nas suas mãos pousadas sobre a mesa.
Este é um pedaço muito estreito da história de Sónia, muito embora pudesse ser a história de muitas outras Pessoas. Nestes 15 anos em que trabalho como Médico de Família, encontrei-me com muitas outras que se encontram perdidas. E, quando digo “perdidas”, não quero dizer que estão sem caminho. Pelo contrário, estão num caminho… mas é um caminho em que não se encontram a si próprias.
Estes encontros são muito comuns, fazendo com que o exercício da medicina familiar permita o diagnóstico de desencontros com a alma com uma frequência muito maior do que o diagnóstico de patologias. Isto faz com que a minha prática médica tenha, muitas vezes, uma necessidade de “amar Pessoas perdidas” que supera a necessidade que “tratar Pessoas doentes”. Por isso, tenho tentado desenvolver um percurso que me auxilie, durante as consultas, a facilitar os encontros das Pessoas com as suas próprias essências (e também de mim com a minha essência). Esse percurso conduziu-me até à formação em Hipnose Clínica e, sobretudo, até à formação em Mindfulness que é a área de desenvolvimento da consciência plena sobre os nossos modos e as nossas escolhas.
Também foi essa consciência que me permitiu ver que a primeira questão que se levanta em tantos momentos da consulta é que muitos de nós não tem consciência de que somos almas (seres espirituais) repletas de amor com os seus propósitos e dons específicos. Por isso, desde há alguns anos que escrevo, falo e disseco a importância desta consciência no contexto da nossa saúde. Não o faço apenas na consulta como também no Instagram “O Médico que fala da Alma” e, mais recentemente, no livro com o mesmo nome onde proponho o conceito do Healthsoulness (estado de alma plena perante qualquer questão em saúde).
Os períodos pós-férias são particularmente produtivos para quem gosta da sua vida quotidiana e particularmente desafiantes para quem não gosta. Para as que Pessoas que não gostam, estes primeiros tempos mais dolorosos após as férias são chamados, popularmente, de “depressão pós-férias“.
Não existe “depressão pós-férias” enquanto condição clínica dos livros científico-médicos, mas entende-se como aquele estado de tristeza, desalento, inquietação e fadiga após os dias de férias.
Para algumas Pessoas as férias são um retiro, enquanto para outras são um refúgio. Há uma diferença clara entre retiro e refúgio: o retiro é um lugar para se descansar enquanto o refúgio é um lugar para se esconder. Com isto, pode-se também dizer que para algumas Pessoas, as férias são uma oportunidade de reflexão, enquanto para outras são uma oportunidade de distração.
Para as primeiras, são uma parte do caminho que têm feito, enquanto para as segundas é um escape do caminho que têm feito. Por isso mesmo, para as primeiras, as férias são uma pausa para reabastecer o depósito, enquanto para as segundas são uma pausa para arrefecer o motor. São as “segundas” que se encontram particularmente vulneráveis para a dita “depressão pós-férias”, porque o caminho para o qual regressam é aquele onde está o desempenho de uma atividade profissional que não as realiza, de dinâmicas familiares que – em vez de nutrir – desnutrem, de hábitos que autossabotam e de relacionamentos que esvaziam…
Porém, apesar dos sentimentos de desalento desta “depressão” serem desconfortáveis, estes constituem um maravilhoso sinal de cedência de passagem que nos alerta para abrandar o nosso ritmo antes de seguir em frente e para entender o que está a acontecer logo antes de entrarmos no caminho. É uma boa altura para se questionar: porque sinto esse desalento? Porque o regresso à vida quotidiana me traz a inquietude e o vazio? Estarei disposto a abrandar e dar cedência à escuta da sua alma? Mesmo que não encontremos as respostas, só o facto de nos questionarmos já traz a luz em nós. Na verdade, as grandes mudanças da vida não acontecem porque encontramos as respostas mas, sim, porque finalmente nos permitimos questionar.

É certo que as férias são uma pausa mas não apenas do trabalho. A pausa é do modo de viver o quotidiano. Nesta paragem, a energia é recarregada. Porém, qualquer um de nós poderá questionar-se: a energia recarregada vai ser depois usada para expressar a abundância da minha alma ou ser usada para fugir de mim mesmo?
O que acontece com a Sónia e com muitos de nós é que a energia é gasta em fugir de nós próprios e as férias são uma “fuga da fuga”. Talvez não seja possível mudar rapidamente de estilo de vida quando a inquietude pós-férias nos assola, mas é possível mudar de estilo de pensamento. Os pensamentos são produzidos pela nossa mente e a nossa mente é um fantástico instrumento que pode estar ao serviço da nossa alma/essência. Assim, a nossa mente pode produzir pensamentos que expressem o dom da nossa alma e o amor que a preenche (este é, aliás, o segundo pilar do Healthsoulness). Estamos dispostos a usar a mente no nosso quotidiano para expressar esse amor que somos, mesmo em detalhes simples ou em curtos momentos? Estamos dispostos a ter tempo para nos amarmos e nos cuidarmos? Estamos dispostos a ter pensamentos de gentileza desprendida por estranhos com quem nos cruzamos na rua? Estamos dispostos a criar a oportunidade de amar em gratidão as coisas boas às quais temos acesso? Estamos dispostos para abrir espaço na nossa semana para momentos em que desenvolvemos o dom criativo que temos?
Sónia dizia-me que não sabia qual era o seu dom criativo, tal era a distância em que estava de si mesma. Eu assegurei-lhe que cada um de nós tem o seu dom criativo. Pedi-lhe que se recordasse da infância e dos momentos em que nem dava pelo tempo a passar tal era o entusiasmo e a concentração. Após uns meses, veio a consulta e contou que se lembrou de que, na sua infância, adorava fazer as suas construções em plasticina. Após este súbito relembrar, procurou workshops de escultura em argila em diferentes sites. Inscreveu-se em alguns deles e dedica-se a esta arte durante 1 hora por dia. Partilhou comigo: “apesar de eu ter tido necessidade de retirar algumas coisas da minha agenda semanal, valeu a pena para incluir a olaria porque esta é a minha terapia”. O que Sónia queria dizer com “terapia” é que esta é a forma preferencial com que se conecta com a sua alma. De facto, a criatividade é das formas mais entusiasmantes de expressar o amor que somos usando a mente como tradutora da criatividade em imaginação. E, por sua vez, as mãos (ou corpo) alinham-se com a mente para a criação. A alma tem o dom, a mente tem as ideias e as mãos têm a arte.
Apesar de continuar no seu local de trabalho, os seus dias são pautados por expressão da sua alma. Criou novas relações com Pessoas que também fazem da olaria uma expressão terapêutica da sua alma e terminou relacionamentos com Pessoas com quem não estava alinhada. Na verdade, a imagem que fazia de si mesma estava alinhada com essas Pessoas mas não a sua essência. Tem conseguido expressar a alma junto dessas Pessoas também.
Portanto, é assim que se recomeça o caminho em tristeza após férias: pensando que “se a tristeza vem, é porque algo de mim foi…”.
O primeiro passo é ceder a passagem à nossa alma e escutá-la porque ela está disponível para ser expressa. E o segundo passo é comprometer-se com a própria alma destacando que, apesar de não se poder fazer marcha atrás nem inversão de marcha, será realizado um caminho em que se estará atento a todas as oportunidades para amar e viver em autenticidade. E, se tudo correr bem, um dia poderá surgir uma saída e poder-se-á mudar-se de estrada.
Remato com uma homenagem: Bem hajam os sentimentos que temos dentro da depressão pós-férias pelas mensagens de alma que nos trazem!

José Azantos é médico de família há mais de 15 anos e acredita que a medicina é, antes de tudo, uma forma de amar. Ao longo do seu percurso, tem integrado práticas como o Mindfulness e a Hipnose Clínica, explorando a ligação entre ciência, mente e espiritualidade. Autor do projeto O Médico que fala da Alma, partilha reflexões sobre saúde, consciência e autenticidade, sempre com a convicção de que cada encontro é uma oportunidade de reconexão com a nossa essência.
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