Adoramos pessoas que vêem beleza nas coisas simples – nas pequenas coisas. Não serão estes os verdadeiros e reais tesouros da vida? Fomos falar com o Bernardo e procurar perceber como ele gere, cria e organiza este seu trabalho, o que o move e toca.
Há quase 10 anos que nos ajudas a ver A Beleza das Pequenas Coisas. Há neste trabalho algum espírito de missão?
Talvez. Procuro, através das pessoas que convido para conversar, ou das questões que coloco, dar a conhecer vozes que precisam ser mais escutadas ou temas que, a meu ver, precisam ser debatidos e refletidos com mais tempo, profundidade, conhecimento, empatia e humanidade.
Ainda te surpreendes com o que é simples e belo?
Procuro nunca deixar de me surpreender com a beleza do simples. É sempre o que mais importa: o bilhetinho deixado debaixo da porta por uma vizinha mais velha – no meu caso, a minha vizinha Dona Idalina – a avisar-nos que acabou de retirar um bolo do forno e que pensou em nós; um gesto generoso de uma pessoa desconhecida que nos leva a dar um abraço apertado, e a acreditar nos outros; o encanto dos Jacarandás quando começam a florir a meados de maio e depois enchem de tons azuis e roxos a calçada portuguesa; um jantar saboroso, regado com um bom vinho, na companhia de uma pessoa de quem gostamos; dançar a nossa música preferida numa pista de dança ou mesmo na cozinha de nossa casa, enquanto preparamos um pequeno almoço lento e gostoso num sábado de manhã; o olhar profundo ou a gargalhada espontânea de alguém que amamos. São essas as faíscas da vida, coisas simples que não devemos deixar escapar, por andarmos com o olho gordo nas grandes coisas que nunca acontecem.
Como foi o processo de seleção das conversas que acabaste por incluir no livro?
Procurei incluir neste livro alguns dos encontros mais marcantes que aconteceram neste meu podcast e, nessa escolha de 50 conversas, quis acima de tudo que houvesse diversidade de mundos, de identidades, percursos e reflexões. O mais difícil foi ficar apenas por 50 escolhas. Tanta gente maravilhosa ficou de fora. Talvez surjam num próximo volume. Felizmente, tenho tido o privilégio de entrevistar neste podcast muitas pessoas de quem gosto e admiro, que tiveram a generosidade de partilhar não só as suas glórias e feitos, como as suas falhas, erros, tristezas, contradições e questionamentos. Pessoas por inteiro e reais, que são as que valem a pena nestas trocas.
Alguns dos teus entrevistados são amigos e pessoas que muito estimas. Que lugar ocupam as conversas que foram gravadas no histórico dessas relações?
Na verdade, na maioria dos casos, tornei-me amigo ou cúmplice dessas pessoas depois da conversa que tivemos em estúdio. Ou seja, está disponível para escuta o início da nossa amizade. A Márcia, autora do novo genérico, é um desses bons exemplos
Algumas das personalidades presentes no livro já morreram. De que forma a morte faz parte da tua visão bela da vida?
A morte é uma inevitabilidade. Gosto de celebrar a vida e, sempre que possível, as pessoas que estimo enquanto estão vivas. Mas diria que, enquanto nos lembrarmos das pessoas que partiram, elas estarão vivas em nós. Recordo algumas que incluo neste livro, com ideias e partilhas que são grandes ensinamentos de vida, como é o caso de Celeste Rodrigues, Cruzeiro Seixas, Eduardo Lourenço, Jorge Silva Melo, Fernanda Lapa ou Vicente Jorge Silva. E muito me orgulha contar com as suas vozes e olhares valiosos neste livro.
Consegues eleger a entrevista que mais te impactou, mais lições te transmitiu, mais te mudou?
Felizmente, não consigo. São tantas as que me impactaram, por razões diferentes, que estaria a falhar à verdade se avançasse um nome apenas. Posso apenas dizer que tive a sorte alfabética de ter o poeta, escritor e brilhante agitador de consciências, Alberto Pimenta, a arrancar este livro. É ele o autor do sempre necessário livro O Discurso Sobre o Filho da Puta. E há tantos por aí a ressurgirem dos buracos e cavernas, alguns já no Parlamento. O encontro com o Pimenta, “o homem-pikante”, foi uma das muitas conversas que me impactaram. Terminámos o encontro com um brinde de conhaque na sua cozinha. A beleza das pequenas coisas…
No Instagram, diriges-te muitas vezes aos teus seguidores com: “Olá, belezas”. Sentes que o elogio faz falta, em Portugal?
Sinto, sim. Elogiamos pouco, temos por norma a língua mais solta para a maledicência. Devíamos praticar mais o elogio, quando é sincero. É antioxidante e faz bem.
E todas as oportunidades são boas para elogiar?
Claro que sim. Sempre que há motivo para elogiar alguém, devíamos fazê-lo. Adoro quando celebramos as nossas amizades e amores pelos seus feitos, assim como acho muito apreciável quando o fazemos com os nossos pares ou outras tantas pessoas de quem gostamos. Um elogio por dia, não sabe o bem que lhe fazia.
Dizes que estas conversas te ensinaram e fizeram refletir sobre humanidade, empatia, diversidade e liberdade. Como olhas para a sociedade atual?
Estão a ressurgir movimentos que vão buscar o pior do ser humano, que cultivam o ódio, a mentira, o preconceito, a tacanhez. Quem está por detrás desses movimentos tira partido da ignorância ou revolta de grupos que se sentem pouco escutados ou ameaçados. Diria que precisamos de escutar mais. Acredito que as vozes diversas que estão incluídas neste livro refletem o mundo em que acredito e o país livre em que vivemos.
Na tua opinião, o “prazer de conversar” é uma das pequenas coisas que passa ao lado de muita gente?
Talvez. A maioria das pessoas anda sem tempo para conversar com qualidade, com atenção e escuta ativa, que é o que mais nos liga aos outros. É o que nos permite reforçar ou alimentar as relações, sejam de amizade, de amor, de família. Acresce que além do corre-corre desenfreado, tantas vezes nos perdemos nas mil e uma solicitações do telemóvel, do trabalho, da televisão e não investimos em algo gratuito e valioso: Tempo de qualidade para conversarmos com quem gostamos.
Não há tempo?
Um truque é começarem a dedicar as horas de almoço a encontros com as vossas amizades. Aqueles encontros eternamente pendentes. A cantora Selma Uamusse sugeriu-me essa dica que ela pratica com frequência, para poder dedicar atenção e escuta aos seus amigos e amigas. Em vez de apenas almoços de trabalho. O que não compromete os serões com a família. É mesmo nutritivo e um prazer, conversar com o telefone arrumado no bolso, dedicados por inteiro àquele momento.
A fé é um dos temas que levas para muitas conversas. Em que ponto te encontras nesta matéria?
Tenho fé nas pessoas, nos outros. Das coisas que mais me comove é a bondade e generosidade dos outros. Tento praticar todos os dias a empatia.
No livro, no final de cada entrevista, enumeras algumas canções para acompanharem a respetiva leitura. Que música escolhias para acompanhar a leitura desta entrevista?
Escolheria Atômico Platônico, de Liniker; Erva Daninha Alastrar, de António Variações; Balada do Louco, de Ney Matogrosso; Baila Comigo, de Rita Lee; Gente Aberta, de Acorda Amor; Everything that Rises, de Sufjan Stevens; Ain’t Got No, de Nina Simone; Flerte Revival, de Letrux.
Que papel tem a música na tua vida?
A música é uma companhia frequente para todos os momentos. Para me dar conforto nos momentos mais tristes, para celebrar as alegrias, para dançar ou para me acompanhar dia e noite. A música tem um papel principal, digo eu, quase citando um dos temas icónicos de Tozé Brito, brilhantemente cantado por Adelaide Ferreira.
Quem gostavas que lesse este livro, para que ficasse mais desperto para A Beleza das Pequenas Coisas?
Gostaria que este livro chegasse a todo o tipo de pessoas. Mesmo as menos recomendáveis ou as mais fechadas. Pode ser que aprendam alguma coisa, e abram mais a cabeça com as partilhas e reflexões das 50 pessoas com quem conversei.
Que lugar tem a Natureza nesta tua atitude de observação e deslumbramento?
A Natureza é boa parte da beleza deste mundo. Toda a beleza parte da Natureza. E tantas vezes nos distanciamos dela encerrados em salas, edifícios, centros comerciais. Qualquer jardim, bosque ou vista para o mar nos dá uma lição sobre o belo.
O que disse a Dona Idalina, tua vizinha, sobre este teu livro?
A Dona Idalina foi ao lançamento do meu livro na Fnac da Avenida de Roma e foi uma grande emoção. Vestiu e despiu um sem fim de meias e sapatos, trocou de roupa muitas vezes em busca da ‘toilette’ mais adequada, pintou as unhas e os lábios de vermelho, e lá foi de boleia com amigos meus para assistir à minha apresentação. Confessou que estava apavorada, “que ia para o desconhecido”, porque não é dada a estas coisas de encontros sociais literários, mas felizmente gostou muito. Acabou por conhecer a Ana Zanatti, a Lídia Jorge, e trocou dois dedos de conversa com algumas pessoas ouvintes do meu podcast, que se assumiram seus e suas fãs. Ela ficou toda babada. A Dona Idalina dava um belo livro. Tem-me dado muito horizonte e ensinado muito sobre como podemos resgatar os mais velhos da solidão e como eles nos podem ensinar tanto sobre a vida.
Para terminar, há uma pergunta obrigatória: “A que pequenas coisas do dia a dia atribuis interesse, beleza e tens gosto em dedicar tempo e atenção?”.
Sábados lentos, preguiçosos, na companhia de quem mais amo. Gosto de cuidar das minhas plantas, de caminhar de forma errante com tempo pela cidade, a olhar com atenção para o topo das casas, gosto de preparar jantares para pessoas amigas, com esmero e atenção aos mais pequenos detalhes. Gosto de celebrar a amizade e o amor, com um bom vinho e tempo lento para conversar e escutar. E gosto de trocar palavras simpáticas, gentis, com pessoas com quem me cruzo na rua, na vida. A gentileza é tão fixe. É do bem!
Fica a conhecer mais sobre o Bernardo Mendonça no seu Instagram e acompanha o seu podcast.
O livro, está disponível para venda online ou nas livrarias de rua.