Arrisco dizer que todos nós temos um peregrino dentro de nós.
Aquele impulso interno que nos chama a caminhar — nem sempre para um destino geográfico, mas para um reencontro connosco mesmos.
Para mim, o Caminho de Santiago de Compostela foi exatamente isso: um convite para esvaziar a mente, viver o simples e confiar no desconhecido.
Fiz o trajeto entre Valença do Minho e Santiago, cerca de 120 quilómetros, e posso dizer que cada passo foi um espelho da vida.
Um peregrino é um viajante curioso, movido pela fé, pela esperança, pela contemplação. É alguém que se permite andar em silêncio, sentir o vento, o frio, o cansaço — e mesmo assim continuar. Porque é no caminho que se encontra a direção, não no destino.
Ao longo desta peregrinação, percebi que a meta nunca é chegar — é estar.
O caminho ensina-nos a deixar a mente ficar vazia, a contemplar cada som, cada cheiro, cada textura da natureza. Lembro-me de uma etapa em que caminhei sozinha durante horas, sob chuva, apenas com o som dos meus passos e da respiração. A certa altura, encontrei um campo de abóboras Hokkaido — e ali, debaixo da chuva, dei por mim a agradecer a simplicidade desse momento.
A abóbora que tantas vezes uso nas minhas sopas e snacks saudáveis, agora mostrava-se ali, na sua origem, como símbolo de nutrição e presença.

Por isso, desapegar é viver simples — é o grande convite da peregrinação.
Porque quando a alma se liberta do que não precisa, encontra espaço para o que é verdadeiro.
Foi isso que o Caminho me ensinou: a vida ganha profundidade quando vivida com presença.
E quanto mais caminhamos, mais entendemos que o essencial é leve.
Nos albergues, aprendi sobre tolerância e altruísmo. Dormi pouco, ouvi ressonar, partilhei pão, histórias e silêncios. E percebi que, com muito pouco, temos o que precisamos.
Carregar uma mochila é perceber que tudo o que nos pesa é, muitas vezes, o que está a mais.












Hoje percebo que o Caminho não foi uma fuga nem uma busca por respostas. Foi um processo de integração: perceber o que quero manter, o que posso largar, o que realmente me dá paz.
E no final, o que trago é isto: a presença, a fé e a simplicidade como bússolas para viver.
A todos os que já fizeram, ou que um dia sentiram o chamamento: bom caminho.