Portugal ardeu — e arde cada vez mais, a cada ano. Este é um tema que nos toca a todos, porque não podemos pensar na nossa saúde e longevidade sem pensarmos na saúde da casa onde todos vivemos.
A regeneração do solo é, por isso, uma urgência silenciosa e coletiva. Porque sem solo fértil, não há alimento, nem vida, nem futuro.
Acreditamos que a melhor forma de lançarmos sementes e despertarmos consciência é compreendendo, de verdade, como funciona a natureza — e como podemos colaborar com ela, em vez de a dominar.
Foi por isso que convidámos Luiza Lacava e Hugo Mendes Ferreira, fundadores do projeto Antara Valley, para escreverem este artigo.
A Antara Valley é um espaço vivo de aprendizagem, regeneração e reconexão com a terra, situado em Vila Cova de Alva ou Arganil, que integra princípios de permacultura, agrofloresta e sustentabilidade profunda.
Em agosto, parte deste vale foi atingida pelos incêndios. Mas o que ardeu está agora a ser transformado — e a terra queimada vai voltar a florescer.
O projeto está a organizar o seu primeiro encontro de reflorestamento, nos dias 18 e 19 de outubro, e precisa de mãos, corações e árvores para reconstruir o solo. Neste artigo, Luiza e Hugo partilham como podemos reflorestar a terra depois dos incêndios, num texto que é também um manual vivo de regeneração.
Se sentires o chamado, há duas formas de participar neste movimento:
Como podes ajudar
- Ser voluntário no reflorestamento
- 18 e 19 de outubro
- Antara Valley, Vila Cova de Alva ou Arganil
- Inscrições através do e-mail: [email protected]
- Durante o fim de semana, os voluntários vão aprender e pôr em prática técnicas de regeneração do solo, plantação e reflorestamento natural — um trabalho coletivo que semeia futuro.
- Apoiar a campanha de reflorestamento
- Todo o valor arrecadado no GoFundMe da Antara Valley será usado para comprar árvores e arbustos que irão devolver vida ao solo queimado.
- Também são aceites doações de mudas físicas, que serão integradas no reflorestamento.
Na crónica que se segue, Luiza Lacava e Hugo Mendes Ferreira partilham o conhecimento e a experiência que orientam este trabalho. Um texto que nos ensina que reflorestar não é apenas plantar árvores — é reconstruir uma casa comum, onde a água, as plantas, os animais e as pessoas voltam a viver em equilíbrio.
No final de semana do dia 18 e 19 de outubro, realizaremos em Antara Valley o nosso primeiro encontro para reflorestar uma área que ardeu com os incêndios em agosto. Este artigo nasce do desejo de partilhar com a comunidade DoBem aquilo que consideramos essencial no processo de recuperação do solo e as escolhas que orientam o nosso processo de reflorestamento.
OS IMPACTOS DO FOGO NO SOLO
É comum ouvir que o fogo deixa a terra mais fértil, mas essa é uma visão imprecisa. As cinzas podem, por um curto período, acrescentar minerais como cálcio e potássio, mas estes nutrientes são rapidamente arrastados pelas primeiras chuvas. Essa fertilidade é apenas transitória, pois os fogos ocasionam a perda de nitrogénio, destroem a matéria orgânica e a microbiota do solo, aumentam a erosão, compactam a terra e reduzem a sua capacidade de infiltração e retenção de água.
O resultado é uma terra empobrecida, sujeita a um processo de acidificação natural e cada vez mais vulnerável, com efeitos negativos a longo prazo que superam largamente qualquer benefício inicial.
PRIMEIROS PASSOS NA REGENERAÇÃO
Primeiramente, é fundamental analisarmos a qualidade do solo, reintroduzir matéria orgânica, adicionar uma nova cobertura vegetal e favorecer a vida invisível dos microrganismos que devolvem fertilidade à terra.
Algumas espécies adaptam-se com menor dificuldade a esse tipo de ambiente acidificado, como o mirtilo (Vaccinium myrtillus), a framboesa (Rubus idaeus), o castanheiro (Castanea sativa) e certos carvalhos (Quercus spp.), que conseguem prosperar em terrenos ácidos e até tirar partido dessas condições.
Outras plantas, por sua vez, ajudam a corrigir o pH do solo, equilibram a acidez ao trazer minerais de volta à superfície. Entre elas, destacamos a consolda (Symphytum officinale), que acumula cálcio, potássio e fósforo e produz biomassa; a urtiga (Urtica dioica), que funciona como acumuladora de nutrientes e minerais; e a tanchagem (Plantago major), que contribui para descompactar o solo e melhorar a sua estrutura.
O uso intercalado destas espécies permite regenerar o equilíbrio químico da terra, favorecendo o crescimento saudável de todo o ecossistema.




O CICLO NATURAL DO REFLORESTAMENTO
O reflorestamento é um processo feito em fases, como uma história que se desenrola com paciência. Primeiro chegam as chamadas espécies pioneiras, como a bétula (Betula pendula) e o amieiro (Alnus glutinosa), que crescem mesmo em terrenos degradados e preparam o caminho para outras árvores mais exigentes.
Depois entram espécies secundárias, como o medronheiro (Arbutus unedo) ou o carvalho-cerquinho (Quercus faginea), que oferecem frutos, sombra e matéria orgânica.
Por fim, quando o solo já recuperou força e diversidade, surgem as árvores de grande porte e de longa vida, como o sobreiro (Quercus suber) e outros carvalhos (Quercus spp.), que consolidam o bosque e criam um ecossistema maduro, equilibrado e capaz de se regenerar sozinho.
Segundo a permacultura, que observa os ritmos da natureza, este processo também deve respeitar a lógica da água.
Primeiro reflorestamos as zonas mais próximas de linhas de água, depois avançamos para as planícies e, por fim, para as zonas mais altas.
Assim, as raízes ajudam a reter a humidade no solo, que é partilhada por todas as plantas, num ciclo de cooperação semelhante ao do micélio — aquela teia subterrânea de fungos que liga as raízes e permite a troca de nutrientes e de informação entre diferentes espécies.
Outro conceito importante vem da agrofloresta, que se inspira no modo como a natureza organiza a vida em camadas.
São as chamadas capas e estratos do bosque.
Tal como acontece numa floresta madura, as árvores maiores formam o dossel superior, os arbustos ocupam o espaço intermédio e as plantas herbáceas cobrem o chão.
Quando plantamos de forma intercalada — árvores, arbustos e ervas — criamos diversidade de formas, funções e alturas, o que aumenta a resiliência do ecossistema e favorece a fertilidade do solo.

UM BOSQUE DIVERSO E RESILIENTE
As espécies que escolhemos para este reflorestamento refletem esse cuidado com a diversidade de estratos.
No nível mais baixo, encontram-se as plantas aromáticas e medicinais autóctones da região, como a lavanda portuguesa (Lavandula stoechas), o alecrim (Rosmarinus officinalis), o helicriso (Helichrysum italicum), o tomilho (Thymus vulgaris) e outras ervas que, além de protegerem o solo e atraírem polinizadores, também fazem parte da tradição local pelo seu uso medicinal e culinário.
No estrato arbustivo, surge o viburnum (Viburnum tinus), capaz de enriquecer o solo e oferecer abrigo a insetos e aves.
Ao seu lado, os medronheiros (Arbutus unedo) trazem frutos que alimentam a fauna e contribuem para a regeneração da terra, enquanto a alfarroba (Ceratonia siliqua), resistente à seca, oferece alimento e sombra.
Num segundo nível, encontram-se árvores de crescimento rápido, como o lodão-bastardo (Celtis australis) e o amieiro (Alnus glutinosa), que são pioneiras fundamentais: instalam-se em solos degradados, criam sombra inicial e protegem as espécies mais jovens, além de contribuírem para o aumento da fertilidade do solo.
No estrato superior erguem-se os grandes guardiões da floresta: os carvalhos (Quercus spp.) e os sobreiros (Quercus suber), que estruturam o bosque e devolvem matéria orgânica ao solo; a azinheira (Quercus ilex subsp. rotundifolia), resistente aos verões secos, que protege o terreno; as oliveiras (Olea europaea) e figueiras (Ficus carica), que aproximam o projeto da tradição agrícola portuguesa; e o liquidâmbar (Liquidambar styraciflua), que com as suas folhas coloridas acrescenta beleza e diversidade ao conjunto.
Com estas espécies, estamos a construir um bosque autóctone, diverso e resiliente, onde cada planta cumpre uma função e todas juntas participam num mesmo sistema de cooperação mútua.
Reflorestar não é apenas plantar árvores — é reconstruir uma casa comum, onde a água, as plantas, os animais e as pessoas voltam a viver em equilíbrio.
Luiza Lacava e Hugo Mendes Ferreira

Luiza Lacava e Hugo Mendes Ferreira são os fundadores do Antara Valley — um projeto de regeneração ecológica e humana em Vila Cova de Alva ou Arganil, onde a permacultura, a agrofloresta e a espiritualidade da terra se entrelaçam.
Luiza é permacultora, comunicadora e guardiã de processos de regeneração interior e exterior. Ama as sementes, a arte de cozinhar com o que nasce da terra e o silêncio fértil das montanhas.
Hugo é arquiteto e investigador em bioconstrução, apaixonado pela floresta, pela simplicidade e por criar espaços onde a natureza dita o ritmo.
Juntos, vivem o propósito de curar o solo e reaproximar as pessoas da terra, guiando processos de aprendizagem, reflorestamento e reconexão com a vida em comunidade.