Mais do que um tempero ácido, o vinagre é um ingrediente milenar com propriedades terapêuticas reconhecidas. Seja o tradicional vinagre de maçã, o delicado vinagre de arroz ou o poderoso ume su, cada um deles esconde segredos que atravessam gerações. Neste artigo, reunimos diferentes saberes – científicos, macrobióticos e culinários – para explorar tudo o que precisas de saber sobre vinagres: como se fazem, como atuam no organismo, como os usar e o que deves ter em atenção ao comprá-los.
O vinagre é o resultado de um processo natural de fermentação. Primeiro, os açúcares de frutas ou cereais transformam-se em álcool (fermentação alcoólica). Depois, com a ajuda de bactérias acéticas, o álcool transforma-se em ácido acético – responsável pelo sabor e pelo cheiro característico do vinagre.
Este processo pode acontecer com frutas como maçã, banana ou ananás, com cereais como o arroz ou até com sobras de fruta, o que o torna também uma excelente forma de reaproveitamento alimentar.

“O ácido acético é o conservante mais antigo da história, mas possui também grandes qualidades terapêuticas”.
Amandine Vidal
Quais os benefícios do vinagre para a saúde?
Ao longo da história, o vinagre foi muito mais do que um simples ingrediente de cozinha. Usado desde a antiguidade como conservante, desinfetante e remédio natural, este líquido de sabor ácido esconde na sua composição uma riqueza de compostos bioativos com múltiplos benefícios para a saúde. Do equilíbrio do pH corporal à regulação da glicemia, do apoio digestivo ao reforço imunológico, o vinagre — especialmente quando não pasteurizado — pode ser um verdadeiro aliado no dia a dia.
“Todos os vinagres, seja qual for a sua natureza, são benéficos para a saúde devido à presença de ácido acético na sua composição.” Amandine Vidal
Agora, vamos explorar os principais benefícios reconhecidos pela ciência e pela sabedoria ancestral, que fazem do vinagre um dos condimentos mais terapêuticos da despensa natural:
- Melhora a digestão – estimula a produção de sucos gástricos e enzimas digestivas.
- Ajuda a decompor alimentos mais pesados, especialmente proteínas e gorduras.
- Equilibra o pH do organismo – apesar de ácido ao sabor, tem efeito alcalinizante no corpo, contribuindo para o equilíbrio ácido-base.
- Apoia a saúde intestinal – se for cru e não pasteurizado, contém probióticos e enzimas benéficas. Favorece a flora intestinal e ajuda a reduzir inchaço e obstipação.
- Aumenta a absorção de minerais – acidez suave ajuda o organismo a absorver melhor o cálcio, magnésio, ferro e outros minerais essenciais dos alimentos.
- Contribui para o controlo da glicemia – pode melhorar a sensibilidade à insulina e ajudar a estabilizar os níveis de açúcar no sangue após as refeições.
- Ajuda na saciedade e perda de peso
- Ajuda a reduzir os picos glicémicos e a compulsão alimentar.
- Reduz inflamações – os compostos bioativos, como polifenóis e ácidos orgânicos, têm propriedades anti-inflamatórias.
- Fortalece o sistema imunitário – ajuda a combater fungos e bactérias patogénicas (efeito antimicrobiano natural). Estimula a defesa do organismo, especialmente os vinagres infusionados com alho, tomilho, malagueta, etc.
- Promove a desintoxicação do fígado, uma vez que apoia o metabolismo hepático e a eliminação de toxinas. Alguns tipos como o vinagre de maçã ou umeboshi são tonificantes do fígado.
- Contribui para a saúde cardiovascular
- Melhora a pele – usado topicamente, pode equilibrar o pH da pele, combater acne, e atuar como tónico natural.
- Aumenta a energia e vitalidade – melhora o metabolismo celular e a oxigenação dos tecidos.
- Melhora o hálito e a saúde oral – o vinagre de maçã, diluído, pode ser usado como elixir bucal natural. Combate bactérias orais, desde que usado com moderação e diluído (para proteger o esmalte).
- É um conservante natural – excelente para fazer pickles, conservas e para preservar alimentos naturalmente sem aditivos.
- Aliado na saúde urinária – a acidez ajuda a prevenir infeções urinárias ligeiras e reequilibra o pH da urina.
Tipos de vinagre e as suas particularidades
A escolha do vinagre pode depender tanto do sabor como dos benefícios terapêuticos desejados. Vamos conhecer alguns vinagres, começando com os que a mentora Dulce Costa, apaixonada por saúde macrobiótica, partilhou connosco como os 3 preferidos:
Ume Su (vinagre de ameixa umeboshi)
Sabor: ácido e salgado
Benefícios: remineralizante, alcalinizante, ajuda na digestão e na recuperação da energia
Ideal para finalizar pratos, preparar pickles ou realçar um molho com profundidade. É muito usado na macrobiótica.

“Na verdade, não é um vinagre no sentido clássico. É simultaneamente salgado e ácido porque resulta da fermentação natural das ameixas umeboshi com sal e folhas de shiso. É rico em minerais e torna-se mais alcalino que qualquer outro tempero com sabor ácido.”
Dulce Costa
Vinagre de Maçã (ou de Sidra)
Sabor: ácido com notas frutadas
É um dos mais populares vinagres naturais, com benefícios digestivos e ação tonificante.
“É rico em enzimas e bactérias benéficas. Pode ser feito em casa a partir de maçãs e restos da fruta. O sabor mistura o doce da fruta com o ácido típico de um vinagre. Gosto muito de o usar em saladas.”
Dulce Costa
Vinagre de Arroz
Sabor: leve, suave e um pouco adocicado
Este vinagre é particularmente interessante por ter um sabor mais doce e uma acidez mais baixa, sendo ótimo para receitas mais delicadas.
“Feito a partir da fermentação do arroz. É o vinagre usado no sushi. Tem uma acidez mais suave e é ideal para pratos agridoces e molhos.”
Dulce Costa
Vinagre de Vinho Tinto
Sabor: intenso, encorpado
Usos: marinadas, molhos, pratos de carne
Benefícios: rico em antioxidantes (polifenóis), melhora o sabor e conserva alimentos
Vinagre de Vinho Branco
Sabor: leve, frutado
Usos: peixes, legumes, molhos de manteiga ou natas
Benefícios: também antioxidante, mais delicado que o de vinho tinto
Vinagre Balsâmico
Sabor: doce, denso e complexo
Usos: saladas, sobremesas, pratos gourmet
Benefícios: ajuda na digestão, contém antioxidantes (mas atenção à adição de açúcar em versões industriais)
Vinagre de Ananás
Sabor: doce e tropical
Usos: pratos asiáticos e mexicanos, saladas exóticas, vinagretes frutados
Benefícios: rico em enzimas (como a bromelaína), ajuda na digestão proteica
Vinagre de Malta (Malte)
Sabor: intenso, com toque tostado
Usos: típico do Reino Unido, usado em legumes, ovos
Benefícios: antioxidante, proveniente da cevada
Vinagre de Cidra com Mel (Oxymel)
Sabor: ácido e doce
Usos: tónicos matinais, bebidas medicinais
Benefícios: excelente para imunidade e garganta, receita antiga de medicina tradicional europeia
Vinagre de Frutos Silvestres (amoras, framboesas, mirtilos)
Sabor: frutado, perfumado
Usos: saladas, sobremesas, bebidas tónicas
Benefícios: rico em antioxidantes, anti-inflamatório natural
Infusões de Vinagres com Plantas Medicinais
Sabor: depende das ervas – do picante ao refrescante
Usos: tempero, culinária medicinal
Benefícios: infusões com tomilho, alho, malaguetas ou alecrim trazem propriedades antimicrobianas e digestivas
“Infusões de vinagres com plantas medicinais são uma forma ancestral de preservar os benefícios terapêuticos das ervas e flores através de um processo simples, mas poderoso. Durante a maceração em vinagre — preferencialmente vinagre de sidra cru e não pasteurizado — os compostos bioativos das plantas, como ácidos fenólicos, flavonóides, vitaminas e minerais, são extraídos e preservados num meio ácido, garantindo uma maior biodisponibilidade.
Um exemplo notável é o vinagre de flor de capuchinha (“Tropaeolum majus”), reconhecido pelas suas propriedades antibacterianas, anti-inflamatórias e estimulantes do sistema imunitário.
Outras combinações incluem o vinagre de tomilho, ideal para reforçar o sistema respiratório, ou o vinagre de alecrim, potente para estimular a circulação sanguínea e revitalizar a pele. Estes preparados não só potenciam o sabor em saladas e marinadas, mas também podem ser usados topicamente, como tónicos capilares ou compressas medicinais, integrando os saberes antigos na rotina moderna
de bem-estar natural.”
Sílvia Martins, Sentidos da Terra
Vinagre de Kombucha
Sabor: ácido, efervescente
Usos: shots funcionais, conservas, cosmética natural
Benefícios: contém probióticos vivos, excelente para flora intestinal
Como consumir vinagre de forma segura e benéfica
Temos algumas dicas, sobre o consumo de vinagre, que precisamos partilhar contigo:
- Evita consumir vinagre puro em excesso, pois o ácido pode agredir o esmalte dentário e irritar o estômago. Usa-o sempre diluído: em água (para fins terapêuticos) ou em molhos e temperos.
- Prefere vinagres não pasteurizados, com a “mãe do vinagre” – uma substância natural rica em enzimas vivas.
Como escolher um bom vinagre? O que procurar no rótulo?
Esta é uma das questões com a quais nos deparamos quando queremos ir às compras e sentimos em explorar um novo produto: afinal, qual o melhor e como posso fazer uma escolha consciente. Para escolheres um bom vinagre:
- Evita: vinagres clarificados e pasteurizados (perdem as propriedades probióticas).
- Procura: vinagres biológicos, sem aditivos, sem conservantes e sem corantes.
- Verifica: origem, tipo de fermentação, ingredientes (deve conter apenas o produto de origem e eventualmente a mãe do vinagre).
- Lembra-te que: quanto mais simples o rótulo, melhor o produto.
E se quiseres fazer vinagre em casa?
Podes usar cascas de fruta, fruta demasiado madura ou excedente de legumes. Os vinagres de maçã, banana ou ananás são simples de fazer e têm grandes propriedades.
Como nos lembra Amandine: “O vinagre é uma forma de transformar resíduos em tesouros — e, se feito com cuidado, torna-se também um gesto de autocuidado e consciência.”
RECEITA PARA VINAGRES DE FRUTA



Ingredientes:
- Fruta madura (maçã, pera, ananás, uvas…) – com casca e caroços
- Açúcar mascavado ou mel (opcional, ajuda na fermentação) – 1 colher de sopa por cada 250 ml de água
- Água filtrada ou mineral (sem cloro)
- Frasco de vidro grande e limpo (de boca larga)
- Gaze ou pano fino + elástico
Passo a passo:
- Prepara a fruta
Lava bem a fruta e corta-a em pedaços pequenos. Não é preciso descascar nem tirar caroços. - Coloca no frasco
Enche o frasco com os pedaços de fruta até a metade da sua capacidade. - Adiciona água e açúcar (opcional)
Cobre a fruta com água, deixando cerca de 2 a 3 dedos de espaço livre no topo. Junta o açúcar ou mel e mexe bem para dissolver. - Tapa com pano
Cobre a boca do frasco com uma gaze ou pano respirável e prende com um elástico. Isso permite que o vinagre respire, mas evita entrada de poeiras e insetos. - Fermentação inicial
Guarda o frasco num local escuro e com temperatura amena (18–25 °C). Mexe com uma colher de pau uma vez por dia.
👉 Após cerca de 1 a 2 semanas, a fruta começa a afundar. Coa o líquido para outro frasco limpo, descartando os sólidos. - Fermentação final
Tapa novamente com gaze e deixa o líquido fermentar por mais 3 a 4 semanas.
Prova de vez em quando até atingir o nível de acidez desejado (quanto mais tempo, mais ácido). - Guarda o teu vinagre
Quando estiver pronto, tapa com uma tampa de vidro ou cortiça. Guarda num local fresco.
Se criar uma “mãe do vinagre” (massa gelatinosa no topo), guarda! Podes usá-la para acelerar o próximo vinagre.
Observações:
Podes usar o vinagre em temperos, pickles, cosmética natural ou diluído como tónico digestivo (com orientação, se for para fins terapêuticos).
Não uses metal em contacto direto com o vinagre durante a fermentação.
O vinagre pode ficar turvo ou formar sedimentos: é natural!
O vinagre é um dos ingredientes mais antigos da história da alimentação e da medicina popular. Versátil, terapêutico e sustentável, pode (e deve) fazer parte de uma rotina consciente e saudável. Ao escolheres um bom vinagre ou, melhor ainda, ao fazeres o teu em casa, estás a cuidar do teu corpo, do teu paladar e até do planeta.
E como dizem os antigos: onde há vinagre, há saúde à mesa.